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19 de jun. de 2007

Cão sem dono

O cinema do diretor Beto Brant tem mudado bastante. Outros poderiam falar que seu cinema está na verdade amadurecendo. Talvez. Mas o que importa é que os filmes do cineasta são sempre dignos de atenção. Gostando dessas mudanças de rumo em seus filmes ou não.

Cão sem dono, comparado com toda a obra do diretor, foi o filme que menos me entusiasmou. Posso admirar Cão sem Dono – dirigido em parceria com Renato Ciasca - mas não me emocionei muito com ele.

Desde O Invasor, o cineasta visivelmente está em busca de uma abordagem mais intimista para com seus personagens. Crime Delicado, seu penúltimo filme, é com certeza a obra mais radical nesse sentido. Cão sem dono segue a essa tendência do diretor em optar pelo despojamento de produção e narrativa.

Nada parece acontecer em Cão sem dono. “Parece”, pois naquela aparente falta de ação há uma forte e humana experiência de dois jovens carentes de perspectiva e felicidade.

Os namorados Ciro (Júlio Andrade) e Marcela (Tainá Müller): Falta de perspectiva

O que muito se escreveu sobre o filme é que os dois jovens amantes na tela representariam a atual imobilidade da juventude atual . Com certeza a mocidade de nossos tempos caracteriza-se pela apatia e pelo vácuo ideológico, mas acho uma generalização excessiva dizer que é isso que trata Cão sem Dono. Os diretores estão muito mais preocupados em compartilhar a experiência daqueles dois namorados dentro daquelas quatro paredes, do que qualquer reflexão geracional.

Como disse, não caí de amores pelo filme. Mas ao mesmo tempo acho importante que um filme brasileiro com uma proposta minimalista desse tipo chegue às nossas salas.

Até agora, Não por Acaso é para mim ainda o melhor filme brasileiro do ano.

12 de jun. de 2007

Não por acaso


Ainda bem que há filmes como Não por acaso. Uma obra que vem nos refugiar de constrangimentos como Inesquecível, filme em que eu ria de tão ridículo que me pareciam aquelas cenas e diálogos. É reconfortante encarar um belo filme como o de Philippe Barcinski, que estreou no último feriado.

Já vi o filme duas vezes. Realmente me emociono vendo Não por acaso. Dois personagens assemelham-se por suas obsessivas buscas por controle e previsão em seus ofícios. Ênio (Leonardo Medeiros, brilhante) é o solitário controlador de tráfego capaz de cronometrar os segundos que demora um farol para abrir. Pedro (Rodrigo Santoro), um exímio jogador de sinuca que planeja suas jogadas até a perfeição.

Mas a vida, diferente do que gostaríamos, não é perfeita, é imprevisível. E um acidente de carro catalisará mudanças em suas visões de mundo e de ser. Os dois perdem pessoas que amam, e seguir com suas vidas poderia ser insuportável se também o acaso (sempre ele) não fornecesse auxílio a esses dois homens na figura de uma filha que Ênio desconhecia, e de um novo interesse amoroso para Pedro.


Ênio (Leonardo Medeiros): Controlador de tráfego também surpreendido pelo incontrolável.
Eis um filme sobre a incapacidade (nossa) de controlarmos o que está além de nossos limites de organização ou planejamento. Porém, mesmo que nosso cotidiano seja assim tão caótico, e muitas vezes trágico, não há motivo para esquecermos da força individual que temos para gerar transformação, e nos mantermos próximos das pessoas que amamos. Ênio e Pedro decidem não perder, pela segunda vez, as pessoas que amam. Dão uma chance à emoção e à vida.

É o primeiro longa de Barcinski, e talvez por isso seja notável o frescor que o filme tem. Um filme bem pensado e original na sua abordagem e construção. Que venham outros "Não por acaso"...
O novo filme de Beto Brant, diretor de O Invasor e Ação entre Amigos, estréia em breve...

5 de jun. de 2007

Confidencial

Junto com Boa Noite Boa Sorte de George Clooney e Munique de Steven Spielberg, Capote de Bennet Miller foi pra mim um dos mais interessantes filmes norte-americanos do ano passado. Foi com ele que Philip Seymour Hoffman, interpretando o personagem título, faturou a estatueta da Academia de melhor ator em 2006. Confidencial (Infamous), que estreou na última sexta traz novamente a história do tortuoso processo de criação de “A Sangue Frio”, livro divisor de águas na história do jornalismo, dando início ao chamado “romance de não-ficção”.

Inevitável a comparação entre os dois filmes. Muito mais com a mínima distância de tempo entre as duas produções. Mas digo desde já que vale a pena não desprezar o filme de Douglas McGrath. Continua sendo muito estimulante acompanhar o relato de como o escritor Truman Capote obsessivamente lutou para alcançar o material necessário para a produção de sua obra-prima. Uma luta que ultrapassou limites éticos e causou feridas incuráveis no âmago do próprio Capote.

Confidencial trabalha muito com o recurso do falso-documentário, com personagens envolvidos na trama relatando para câmera os fatos ocorridos como se estivessem dando depoimento a um repórter ou documentarista. O recurso é excessivo no seu teor didático sobre o drama que envolve Capote, e compromete um pouco o potencial do filme.


Truman Capote (Toby Jones): Drama ético para criação de sua obra-prima.

No filme de Miller tudo era mais sugestivo, e talvez aí esteja a maior diferença entre os dois filmes. Desde a estrutura do filme até o teor das interpretações, o filme com Philip Hoffman me parece mais econômico nos diálogos e confiante em suas imagens, o que coopera para um filme mais rico e ambíguo do que a recente estréia.

Confidencial já estava em pós-produção quando do lançamento de Capote, o que levou a Warner a postergar o lançamento de seu filme. E se esse texto pautou-se na comparação entre as duas obras, deixo registrado que o Truman Capote de Toby Jones não fica muito atrás do de Philip Seymour Hoffman
. Um Capote mais afetado, é verdade, mas ainda uma grande interpretação.