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26 de ago. de 2008

Nome Próprio (I)

Há uma anedota que se conta entre os psicanalistas. Sigmund Freud, após décadas dedicadas ao estudo de nosso inconsciente, morreu sem responder a pergunta que mais o angustiava: “O que querem, afinal, as Mulheres?”. A literatura nos dá algumas dicas sobre o assunto nas obras de Virgínia Wolf, Clarisse Lispector. No Cinema, Bergman e Woody Allen nos deram mais algumas sugestões para, atrevidamente, ousarmos tatear tamanho mistério que é o mundo feminino.

Nome Próprio, de Murilo Salles, tenta cavar um pouco mais fundo na busca dessa “tristeza de se saber Mulher” que disse Vinícius de Moraes em seu Samba da Benção. Nome Próprio é um filme que eu definiria como corajoso. Valente porque arrisca uma reflexão sobre a juventude. Sobre uma geração que não é a do diretor. A geração jovem atual, do vazio ideológico e utópico.

Neste ano de 2008, talvez somente Batman-O Cavaleiro das Trevas, que eu me lembre, tenha provocado mais minha geração com suas críticas à nossa Democracia fajuta e ao Estado de Ordem em que (não) vivemos. Nome Próprio também provoca, só que num âmbito mais afetivo, menos político. Um filme de uma força que um olhar apressado pode desaperceber.

Em sua primeira cena, a personagem principal Camila/Leandra Leal está totalmente desnuda. Salles, na apresentação de sua anti-heroína, prova já seu objetivo maior: Dissecar essa blogueira auto–destrutiva, cheia de angústia em frente de seu computador inanimado. Temos, então, um filme de estudo de personagem. Feminino, além de tudo.

Com tudo isso, não quero dizer que Nome Próprio seja um grande filme. Não é. O filme chega quase lá. Não chega a um estatuto de Gritos e Sussurros, por assim dizer. Mesmo tendo uma câmera vigorosa, Nome Próprio peca pelo excesso, pela falta de objetividade. Mas não significa que não valha a pena dar um olhar mais apurado em seu potencial, que existe, sim. (continua)...

6 de ago. de 2008

O Escafandro e a Borboleta (II)

Desde que li o livro em que o filme se baseia, queria muito compartilhar alguns trechos que de alguma forma me tocaram. Ia fazer isso logo após o post sobre o filme, só que aí veio o novo Cavaleiro das Trevas, com seu Coringa anárquico, e mudou a ordem das coisas, meu plano inicial...

Mas, agora sim, e com calma, selecionei algumas linhas do canto de vida de Jean-Dominique Bauby. Se você ainda não viu nos cinemas esta maravilhosa adaptação, presenteie-se com essa experiência! E leia também o livro, recém reeditado pela Martins Fontes. Um vôo “comovente, de um escritor extraordinariamente talentoso, conta como transformar dor em criatividade, desespero humano em milagre literário”, nas palavras de Elie Wiesel na orelha da obra.

“O escafandro já não oprime tanto, e o espírito pode vaguear como borboleta. Há tanta coisa para fazer. Pode-se voar pelo espaço ou pelo tempo, partir para a Terra do Fogo ou para a corte do rei Midas”. (pág. 09).

“Por ora, eu seria o mais feliz dos homens se conseguisse engolir convenientemente o excesso de saliva que me invade a boca sem parar”. (pág.16).

“Foi assim que deparei com o farol numa das primeiras vezes em que empurravam minha cadeira de rodas, logo depois que saí das brumas do coma. [...] Imediatamente me pus sob a proteção desse símbolo fraterno que vela pelos marinheiros e pelos doentes, estes náufragos da solidão”. (pág. 33/34).

“Quanto ao prazer, apelo para a lembrança viva de sabores e odores, inesgotável reservatório de sensações. Não existia a arte de bem aproveitar os restos? Eu cultivo a de cozinhar lembranças em fogo lento”. (pág. 40).

“Afasto-me. Lenta mas decididamente. Assim como o marinheiro vê desaparecer a costa de onde zarpou para a travessia, eu sinto meu passado esvanecer-se. Minha antiga vida arde ainda em mim, mas vai-se reduzindo cada vez mais às cinzas das lembranças”. (pág. 83).

3 de ago. de 2008

Era uma vez...


Se dissesse que o filme é bom estaria sendo complacente com um diretor que ainda tem meu respeito. Não é um filme memorável, longe disso. Mas isso não impede de lembrar algumas qualidades que possui Era uma vez..., um romance à Romeu e Julieta entre um jovem do morro e uma garota da elite do Rio de Janeiro.

Sempre tento “defender” 2 filhos de Francisco, o primeiro filme do diretor. Acho que lá se atestava o talento de Breno Silveira para esmiuçar relações familiares, aparentemente um dos seus temas preferidos em carreira que ainda floresce. A história de luta e sucesso dos insossos Zezé de Camargo e Luciano mostrava habilidade narrativa e sensibilidade na direção de atores. Algo raríssimo no Cinema nacional de antes e de sempre.

As qualidades apresentadas em seu primeiro filme acabam sendo as principais virtudes do filme que estreou semana passada. Um roteiro bem amarrado (mesmo que previsível), personagens críveis e interpretações convincentes. Aliás, o que Era uma vez... talvez possua de melhor é mesmo seu protagonista Thiago Martins, garoto de carisma inegável. Os momentos de seu personagem com o irmão (Rocco Pitanga) são luminosos. Pena que o filme não se sustente tão bem em outros momentos.

A vontade de ser didático, o que acarreta um certo esquematismo, é o maior problema do filme. A ingenuidade da parte final me parece quase imperdoável. O Cinema não precisa apontar soluções para problema algum, mas a questão da violência no Rio e no Brasil é muito mais complicada do que sugere a simplicidade do desfecho.