analy

24 de nov. de 2008

Romance

Após se exercitar em comédias tanto na televisão como no cinema, o diretor Guel Arraes arrisca uma história de amor mais autoral e cheia de metalinguagem. Quanto há de verdade num caso amoroso? Qual a parcela de representação numa declaração apaixonada? Ficção versus realidade. Arte e vida num emaranhado de difícil desato. Boas propostas, mas que ficam a dever no resultado final. Falta sal e sobra açúcar no novo filme do cineasta pernambucano.

Os dilemas de paixão e amor permeiam o filme, mas não envolvem o espectador. O texto é bem pensado e inteligente, mas fica sem vida na boca dos atores. Que são bons, porém engessados. Uma fotografia edulcorada e uma trilha melosa não ajudam também o filme de Arraes. Um diretor que merece respeito por conseguir qualidade e apelo popular em O Auto da Compadecida e Lisbela e o Prisioneiro, mas que não chega lá em seu Romance.

17 de nov. de 2008

Vicky Cristina Barcelona

Woody Allen é um cineasta contemporâneo, no sentido mais amplo do termo. Homem curioso e atento ao mundo que o cerca. Um tema atualíssimo como a cobiça material, por exemplo, foi o eixo central de dois de seus últimos filmes: Match Point e Sonho de Cassandra. Em sua nova obra, Allen discorre novamente sobre assuntos que no dia de hoje (!) inquietam nosso ser e estar no mundo.

O cineasta nova-iorquino é ainda um dos maiores do cinema. E um dos motivos para isso é que ele sabe muito bem reinventar-se como artista. Não repete fórmulas ou teses sobre assunto nenhum. Pode haver, claro, recorrências temáticas. Mas o que muitos críticos não se dão conta é que cada filme seu é uma obra singular, que merece sempre olhos frescos e respeitosos.

Não deve haver rótulos a diretores de cinema, por que engessam as possibilidades para novas leituras sobre suas obras. No caso de Allen, o que há ao acompanhar sua carreira é constatar o amadurecimento contínuo de sua visão sobre o cinema, o amor, a vida. E Vicky Cristina Barcelona é reflexo de tudo isso. É bobagem repetir a cada ano que seus filmes não ficam “aos pés” de suas obras-primas dos anos 80.

Vicky Cristina Barcelona é um ótimo filme. Sutil, inteligente. Muito engraçado. A mudança de ares do cineasta (é seu 4º filme rodado na Europa) só tem ajudado sua arte. Refletir sobre o amor e seus atuais conceitos e dilemas... Esse é o maior anseio do diretor, ao contar a história de duas amigas norte-americanas, Vicky (Rebecca Hall) e Cristina (Scarlett Johansson), que em Barcelona embarcam numa roda viva de novas experiências amorosas junto de um pintor de telas sedutor (Javier Bardem), e sua ex-esposa neurótica (Penélope Cruz).

13 de nov. de 2008

Rocknrolla

Guy Ritchie volta ao submundo inglês de seus primeiros filmes. Retorna ao universo de traições e mal-entendidos que fez a fama do cineasta no final dos anos 90. Em Rocknrolla, assim como em Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes e Snatch, Ritchie constroe uma brilhante teia de interesses e desinformações. Quase uma comédia de erros movida pela ganância de variados grupos étnicos e criminosos. De narrativa ágil e inventiva, o novo filme do cineasta dá um passo além em qualidade na obra do diretor, e consegue ser mais denso que seus filmes anteriores.

Nas entrelinhas do enredo bem articulado de Rocknrolla há um fascinante distanciamento em relação a esse universo de Sexo, Drogas e Rock & Roll. Um dos trunfos do filme é esteticamente(posição da câmera, luz, trilha..) alcançar uma relação crítica com o que é mostrado na tela. Seja na tortura de um chefão do crime, ou na desmistificação de um usuário de crack fumando sua pedra.

Para quem tiver sensibilidade para notar, verá que todo o filme é amarrado em função de uma obra de arte, um quadro que nunca é mostrado de frente ao espectador. Uma pintura com suas implicações não só práticas para o roteiro, mas filosóficas, é o que move a narrativa e o que dá margem para justificar uma atenção apurada a este filme.

Sementes muito interessantes foram lançadas neste Rocknrolla. Grãos que devem frutificar com mais clareza ao longo da trilogia que esse filme dá início. Um projeto já em elaboração por Ritchie. Mesmo que, talvez, menos cativante e engraçado que seus filmes anteriores, Rocknrolla merece atenção redobrada daqueles que erroneamente convencionaram desprezar o “cinema de Hollywood”.

11 de nov. de 2008

O Silêncio de Lorna

Os irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne seguem firmes em seu projeto estético-humanista. Ao mesmo tempo rigoroso e despojado, o mais recente filme dos cineastas belgas é exemplo do mais refinado tratamento dramatúrgico. Pois não foi com um manual de roteiro hollywoodiano debaixo do braço que se construiu filme com tamanha contundência e sensibilidade.

Lorna (Arta Dobroshi) é a imigrante albanesa que se casa por conveniência e contrato ilegal com um belga viciado em heroína (Claudy), visando assim conseguir a cidadania européia. Dentro de um submundo de casamentos forjados, de aspereza humana e ética, Lorna deve lidar com cautela suas ambivalências e desejos pessoais. Resistindo como pode ao mundo embrutecido que a cerca.

Não há personagens rasos no cinema dos Dardenne. Tanto a protagonista, como as outras peças desse enredo, são todas dotadas de complexidade e nuanças. E é fundamental para o resultado final o primor das interpretações de seus atores. Como Lorna, Arta Dobroshi é de uma entrega fascinante.

Grandes temas atuais embasam o filme: A questão da imigração clandestina na Europa, dependência química, a obsessão pelo dinheiro. Mas todos eles refletidos no pano de fundo da história da jovem imigrante. O Silêncio de Lorna é um dos mais interessantes filmes recentes. Consegue ser tão bem equilibrado como a anterior obra dos diretores, A Criança, ganhador da Palma de Ouro em 2005. Belo cinema.

7 de nov. de 2008

Última Parada 174

Não há razão para o novo filme de Bruno Barreto existir. Após obras nacionais como Pixote, Cidade de Deus e do documentário Ônibus 174, Última Parada nada contribui para a história de nosso cinema ou para o debate social do país. Uma verdadeira nulidade cinematográfica.

Após dezesseis longas metragens, já era hora de Bruno Barreto ter aprendido a fazer cinema. Este seu último filme mais parece a estréia de um novato atrás das câmeras. Com um roteiro esquemático, previsível, e com uma montagem irritantemente linear, talvez somente do protagonista possa se extrair algum adjetivo positivo. Temas como maternidade, mídia e criminalidade aparecem aqui e ali, mas são tratados de maneira rasa e pouco convincente.

Muitos são os equívocos de Última Parada 174. Erros conceituais que vem desde a gênese do projeto. Porém o cineasta peca principalmente pelo excesso de piedade ao contar a história do garoto Sandro, assassinado por policiais após seqüestro de ônibus no Rio de Janeiro. Piedade tacanha, Sr. Barreto, não serve para nada!