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26 de ago. de 2009

Teta Assustada


Típico filme que faz sucesso em festivais de cinema. O peruano “Teta Assustada” tem temática indígena e crítica social, uma combinação que costuma balançar o senso crítico dos júris. O filme conquistou o Urso de Ouro em Berlim e os prêmios de atriz (Magaly Solier), direção e melhor longa latino no Festival de Gramado. Um exagero em honrarias.

Fausta (Solier) é uma índia traumatizada e insegura. Sua mãe fora estuprada por um grupo guerrilheiro nos anos 80 e pela lenda indígena local - a teta assustada do título - o medo da violação sexual foi passado a ela na amamentação. Após a morte da mãe, Fausta passa a trabalhar na casa de Aída (Susi Sánchez). Uma mulher branca e rica que decide explorar sua nova empregada.

Essa relação entre patroa e funcionária logo nos remete à brutalidade dos tempos coloniais. Quando os espanhóis dizimaram séculos de cultura nativa.

Aída está aflita. Pianista e compositora, necessita de músicas originais para um concerto que se aproxima. Como vê Fausta cantarolando antigas melodias de sua tribo, promete a ela pérolas em troca do uso das canções. Uma promessa que logo se percebe como mentirosa. Na realidade, é apenas um jogo de chantagem do forte contra o fraco.

É bem claro o objetivo da diretora Claudia Llosa: Apresentar os problemas que a comunidade indígena peruana ainda enfrenta. Sua contínua miséria e dificuldade em consolidar uma identidade cultural. Até aí nada contra, uma causa mais que justa. O problema é o tratamento comiserativo que Llosa dá à questão. Um excesso de piedade que enfraquece seu relato. Deixando-o raso e maniqueísta. Um pouco como acontecia no “cinema novo” brasileiro, que ingenuamente idealizava o povo para demonizar a burguesia.

Outro ponto fraco é sua protagonista. Incompreensível os prêmios à performance de Magaly Solier. 1 hora de meia de pura inexpressividade. A atriz é também cantora e talvez seu canto possa realmente emocionar.

O ritmo lento e enquadramentos sem inspiração completam o tédio do espectador. Longe da ansiedade que envolve qualquer festival vê-se melhor as fraquezas desse filme superpremiado
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21 de ago. de 2009

Verônika decide morrer


Ano passado, a Weinstein Company anunciou no Festival de Cannes que “O Alquimista” seria a primeira adaptação para cinema de um livro de Paulo Coelho. Uma produção que seria comandada por Larry Fishburne (o Morpheus de “Matrix”). Mas o tempo passou e a produção não foi para frente, deixando para “Verônika decide morrer”, que estréia nesta sexta (21), o encargo de ser o primeiro filme baseado num best seller do escritor brasileiro.

Na história roteirizada por Roberta Hanley e Larry Gross, Verônika parece ter tudo o que se pode querer. Um bom emprego, um apartamento em Nova Iorque. Mas algo lhe falta. Cansou do que para ela é uma existência banal e sem sentido. Decide então acabar com tudo; tomar uma overdose de calmantes e partir dessa para melhor.

Uma frustrada tentativa de suicídio. Verônika (Sarah Michelle Gellar, da série “Buffy”) acorda dias depois no hospital, onde fica sabendo que, por causa de uma sequela no coração, tem pouco tempo de vida. Para piorar, terá que viver confinada num instituto psiquiátrico até provar para seu médico, Dr. Blake (David Thewlis, o Remus Lupin de “Harry Potter”), que não tentará se matar novamente.

Ao conhecer o cotidiano do sanatório, Verônika relativiza seus problemas e conhece a humanidade de outros internos. Reencontra-se com a vida. Faz as pazes com o piano que tocava na infância, até apaixona-se por outro paciente, Edward (Jonathan Tucker), e com ele tentará uma fuga do instituto.

Dirigido pela inglesa Emily Young (“Kiss of life”), “Verônika decide morrer” sofre com os problemas que costumam comprometer as adaptações de livros para tela grande. Elas ficam muito presas ao diálogo dos personagens e ao enredo, esquecendo que o cinema exige outras preocupações como a atmosfera dos ambientes, o ritmo de montagem e a qualidade das interpretações. Sarah Michelle Gellar se esforça como atriz dramática, arriscando lágrimas aqui e ali, mas no todo não convence nem um pouco.

O filme tem um começo razoável, a sequência de tentativa de suicídio funciona bem e a angústia inicial de Verônica chega a comover. Mas ao longo da história perde-se essa carga de envolvimento. Lá pelas tantas, pelo excesso de momentos previsíveis e redundantes, não vemos a hora da projeção terminar.

Se a obra de Paulo Coelho é muitas vezes acusada de rasa pelos críticos, o filme não fica para trás, e abusa de simplificações para cativar o espectador. Um filme que lembra um best seller de autoajuda, não muito diferente dos livros do “mago” brasileiro.

Gigante


Uma história de amor. Simples assim. “Gigante”, filme uruguaio de Adrian Biniez estréia hoje (21) nos cinemas para falar do mais recorrente dos temas. A forma singela como é contada essa história de paixão platônica é o que faz a diferença dessa comédia dramática encantadora.

Depois de arrebatar o Urso de Prata no 59º Festival de Berlim desse ano, e levar para casa os prêmios de melhor ator (Horacio Camandule), roteiro (Biniez) e crítica no recém finalizado Festival de Gramado, o público agora tem a chance de conferir por conta própria o porquê de tanto alarido por esse filme tão pobre em recursos de produção, mas rico em observações humanas

Jara (Camandule) trabalha como segurança noturno de um supermercado. Grandalhão, fã de rock, e cara de poucos amigos. Mas percebemos aos poucos que sua falta de elegância não é proporcional à imensa simpatia como trata aqueles à sua volta, como seu sobrinho e seus colegas de trabalho.

Certa madrugada, pelas câmeras de vigilância, apaixona-se por uma das faxineiras de seu trabalho, Julia (Leonor Svarcas). Ele não sabe seu nome, se é solteira ou casada. E no fundo pouco importa. Jara, como o voyeur James Stuart de “Janela Indiscreta”, usará as lentes de uma câmera para alimentar suas (boas) obsessões. Jara, nos horário de folga, passa a seguir pela cidade seu obscuro objeto de desejo. Sempre à distância, sem nunca abordá-la.

Os olhos sem malícia de Jara nos guiam nessa busca cheia de idealização romântica. Suas interrogações são também as do espectador, gerando um benvinda cumplicidade entre público e “Gigante”. Até o final, o diretor Biniez sustenta essa parceria, potencializada por excelentes interpretações de todo o elenco, principalmente de Horacio Camandule na pele de Jara.

Não foi gratuito o prêmio em Gramado para a performance de Camandule. Seu trabalho destoa das interpretações costumeiras para o cinema. De formação teatral, seu trabalho não possui excessos em caras e bocas, mas uma naturalidade que faz de Jara um homem de carne e osso. Palpável. Alguém por quem podemos torcer e se emocionar a medida que o acompanhamos em sua jornada pela mulher amada.

Tendo como base uma premissa original e atores talentosos, para que o filme funcione, não são necessários movimentos de câmera muito sofisticados ou uma montagem que desconcerte o espectador. O diretor e o fotógrafo Araúco Hernández optaram por enquadramentos simples, diretos. O que não é sinônimo de falta de rigor, mas prioriza-se a história e sua humanidade. Mesmo que no meio da trama se encontre observações pertinentes sobre as relações de trabalho e a atual sociedade da imagem.

No supermercado, onde se passa grande parte do filme, tem-se uma clara crítica à tensão desnecessária entre funcionários e patrões. Por mais de uma vez, o coração bondoso de Jara intervêm para que a fragilidade dos empregados não seja exposta por chefes insensíveis.

Tanto no trabalho como em outros ambientes, há sempre uma câmera de vídeo vigiando tudo e todos. O primeiro e real contato amoroso entre Jara e Julia, lá pelo meio do filme, é mediado por uma dessas câmeras, hoje onipresentes, como alertava George Orwell em seu profético “1984”.

Além das comédias românticas como “A proposta” e “Marido por acaso”, há um outro tipo de cinema que fala sobre os mesmos temas; paixão, relacionamentos. E pode também emocionar e fazer rir, como é o caso de o “Gigante”.


16 de ago. de 2009

Se nada mais der certo



O filme brasileiro do ano. “Se nada mais der certo” estréia nos cinemas nesta sexta-feira, depois de enfileirar na estante diversos prêmios no Brasil e no exterior. E não é para menos. O grande vencedor do Festival do Rio 2008 – melhor filme, roteiro e atriz – expressa cruamente as atuais mazelas sociais e políticas do país. Uma forte experiência cinematográfica sobre uma juventude sem perspectivas, que enfrenta como pode as dificuldades da grande metrópole. Uma história de amizade, dor, e luta por liberdade.

Dirigido pelo brasiliense José Eduardo Belmonte, “Se nada mais der certo” encontra poesia no submundo da criminalidade paulistana. Personagens solitários e à deriva guiam nosso mergulho nesse universo sórdido: Léo (o galã Cauã Reymond) é um jornalista que vive de bicos mal pagos. Marcin (Caroline Abras, excepcional) é a traficante de fisionomia andrógena que sofre as agruras da madrugada, entre travestis e casas noturnas. Unidos ao taxista Wilson (João Miguel, de “Estômago”), formarão um trio cúmplice de golpes cada vez mais audaciosos. E ao longo do filme, um forte, e às vezes ambíguo, laço de solidariedade unirá as vidas desses três “marginais”.

O roteiro criado pelo próprio Belmonte surpreende. Escrito em parceria com Breno Alex e Luis Carlo Pacca, sua construção evita convenções do “filme de assalto” americano, e administra tempo tanto para a ação frenética como para o drama mais intimista. Diálogos comoventes também podem permanecer na mente do espectador após o término desse filme orquestrado pelo mesmo diretor de “A Concepção” (2005).

Num certo momento, aparece um letreiro que diz, “O estar preparado é tudo.” Uma citação de Shakespeare que transcreve o estado emocional em que se encontram Léo, Marcin e Wilson. Não há mais ninguém para pedir ajuda. Você mesmo é seu melhor e único amigo. As últimas economias já foram gastas, aquele cd pirata que você comprou não funcionou, aquele fim de semana choveu... Não há mais poço para afundar. Se nada mais der certo, o quê resta, a não ser “estar preparado”? Mas preparado para quê?

Não espere do filme uma resposta direta, mas algumas pistas. “Se nada mais der certo” confia na cumplicidade com quem o vê, e talvez somente cada espectador, depois do fim da sessão, consiga compreender mais claramente as cartas que o filme põe na mesa.


Depois que as luzes se ascendem e iniciam os créditos, Renato Teixeira e sua viola caipira nos brindam com uma canção que funciona como uma espécie de epílogo para a história que acaba de terminar. Teixeira canta “Tocando em frente”, parceria com Almir Sater que fecha as duas horas de projeção, e elucida um pouco nossas idéias sobre o que vimos. A canção diz, “Cada um de nós compõe a sua própria história, cada ser em si carrega o dom de ser capaz. De ser feliz”. Um dos itens publicitários do filme, sugere também essa interpretação, “na verdade, este é um filme sobre pessoas buscando a felicidade”.

Em outra cena, Marcin diz a Léo algo como “não vivemos o presente. estamos viciados no depois”. Em tempos de crise econômica, gripe suína e um senado (mais uma vez) em crise, parece não haver ansiedade que se possa aquietar. O ritmo que impulsiona a montagem do filme é um ritmo ditado por essa ansiedade, pressa e desconforto tão atuais. Angústia por uma felicidade que parece nunca chegar, que permanece só na idéia, só num futuro inatingível.

“Se nada mais der certo” fala de um Brasil do presente. É uma obra urgente e necessária. José Eduardo Belmonte realizou um trabalho com personalidade, autoria. Com uma fotografia corajosa, e uma bem vinda inventividade na trilha sonora, que vai do rock suave até canções do espetáculo infantil “Os Saltimbancos”. O diretor comprova um estilo que se apurou ao longo de uma carreira que envolve premiados curtas metragens nos anos 90 e outros três longas.

Duas sequencias na praia resumem a sensibilidade de Belmonte. Nos dois momentos, o mar aparece como espaço de comunhão e afeto. De sonho e libertação. Pela plasticidade e intensidade dramática, são aqueles momentos que fazem valer a ida ao cinema. Filmaço.

Entrevista com o diretor,



12 de ago. de 2009

Gesto Obsceno


Michael Klienhouse está depressivo há meses. Não consegue ser o pai e esposo que gostaria, nem encontra forças para escrever o livro que planejava. Seu apático estado de espírito, porém, altera-se depois de um acidente de trânsito incomum. Enquanto sua esposa, Tamar, temporariamente paralisa o trânsito, um carro buzina diversas vezes por passagem. Tamar faz então o tal gesto obsceno ao motorista apressado, que num arranque leva a porta aberta do carro de Michael.

Um instante de violência injustificável. Certamente uma experiência traumática, mas que se transforma no estopim necessário para mudanças positivas na vida do protagonista. Essas são as linhas gerais de “Gesto Obsceno”, filme que estréia nesse fim de semana nos cinemas.

O diretor israelense Tzahi Grad tem um objetivo claro, “Gesto Obsceno não é só um filme, é também um protesto”. Após o acidente, Michael vai várias vezes pedir auxílio à polícia, que sugere esquecer o ocorrido. “O sistema é falho, a polícia está de mãos atadas", dizem a ele. Michael terá então que buscar sozinho alguma compensação para seu dano material e psicológico.

“Não é fácil ser deixado sozinho, - continua o diretor - desamparado, fragilizado. A frustração é grande, você quer explodir, gritar, mas, uma vez que se percebe que isso é inútil, você engole sua profunda indignação e desiste. Mas Michael não desiste. Ele não quer e não consegue”. Um pouco como Travis de “Táxi Driver”, uma das influências cinematográficas do diretor, Michael terá que fazer “justiça com as próprias mãos”.

O projeto do filme nasceu no início de 2003, quando Gal Zaid e Ya'acov Ayaly, roteiristas e atores do filme, abordaram o diretor com o roteiro que naquela altura ainda se chamava “Michael Klienhouse”, inspirado vagamente no romance “Michael Kohlhaas”, de Heinrich von Kleist. Mesmo durante as dificuldades em levantar dinheiro para o projeto, Tzahi Grad e equipe estavam decididos a ir até o fim. Mesmo que isso significasse produzir o longa com um orçamento reduzido.

“Gesto Obsceno” foi filmado em HDV, um suporte bem mais em conta que a película, e que dá uma liberdade no movimento de câmera que favorece as excelentes interpretações do atores, principalmente de Gal Zaid como Michael.

O filme passa-se durante uma semana, e intercala a narrativa com datas importantes do calendário israelense, como o memorial do soldado e o da independência. O Estado de Israel hoje convive com atentados suicidas e fronteiras instáveis. Um dia-dia violento que coopera para o despertar do medo e da paranóia, sentimentos que Michael sentirá na pele ao longo da história. Por isso, “Gesto Obsceno” sugere algo além de uma simples indignação pessoal, reflete o cansaço de todo um país.


11 de ago. de 2009

Charles Manson 40 anos


Há 40 anos, na madrugada de 9 de agosto de 1969, um grupo de seguidores da seita de Charles Manson entrava numa mansão da classe alta de Los Angeles para conceber um dos mais cruéis assassinatos da história dos Estados Unidos. Os quatro “hippies” (uma mulher e três homens) da “Família Manson” amarraram e esfaquearam brutalmente cinco pessoas, entre elas a moradora da residência, a atriz Sharon Tate, esposa do cineasta polonês Roman Polanski. Não satisfeito, o próprio Manson liderou um segundo grupo, na noite seguinte, a invadir outra mansão e matar mais pessoas da "forma mais sanguinária possível" - suas palavras. Foram sete cadáveres massacrados naquele fim de semana californiano que entrou para história.

Sharon foi uma das mais belas mulheres dos anos 60. Os olhos misteriosos e o corpo sedutor chamaram atenção logo em seus primeiros trabalhos como modelo de comerciais. Em Hollywood, ganhou espaço a partir de “Não faça onda” (Don´t make waves), uma comédia com Tony Curtis e Cláudia Cardinale de 1967.

Seu humor e graça encantaram o diretor Roman Polanski, que a convidou para estrelar sua comédia de humor negro, “A dança dos vampiros”. Após as filmagens , em 1968, os dois se casaram. Na noite de sua morte, Sharon levava consigo o primeiro filho do casal. Estava em seu oitavo mês de gravidez. Segundo Linda Kasabian, que tinha 16 anos quando entrou no grupo de Manson, e cujo testemunho permitiu a condenação dos envolvidos, Sharon teria suplicado aos seus executores por sua vida e a da criança, mas foi esfaqueada 16 vezes.

Charles Milles Manson foi o fundador e mentor intelectual desse macabro grupo de assassinos. Dizem alguns especialistas que ele tinha a habilidade de manipular a mente até o ponto de convencer alguém a assassinar a sangue frio. Manson fez seus seguidores acreditarem que era um novo messias, que encarnava Cristo e o Diabo na mesma pessoa.

Um dos motivos que potencializou o drama sobre a morte de Tate na época, e seu impacto duradouro até os dias de hoje, é que um ano antes Polanski realizara “O Bebê de Rosemary”, que tratava justamente de um jovem casal amedrontado por uma seita de adoradores do diabo.
O filme hoje é um clássico do cinema de horror. Tenso, claustrofóbico e brilhante como direção cinematográfica. Protagonizado por Mia Farrow, “O Bebê de Rosemary” continua sendo associado à morte da esposa do cineasta. Uma daquelas tristes coincidências que enriquecem a mitologia sobre o filme e os crimes de Manson. Mitologia que só cresceu com a produção de outros filmes e documentários sobre suas crenças insanas.

A tv americana produziu dois filmes inspirados pelos massacres, respectivamente em 1976 e 2004, ambos chamados “Helter Skelter” e usando como base o mesmo livro, "Helter Skelter: The True Story of the Manson Murders” de Vincent Bugliosi e Curt Gentry. O mais recente, escrito e dirigido por John Gray, encontra-se disponível na locadouras.

O termo “helter skelter” foi pichado com sangue numa das mansões onde ocorreram os crimes há quarenta anos. Trata-se de uma menção à canção do mesmo nome dos Beatles lançada no “álbum branco” de 1968. Manson acreditava que os Beatles conversavam com ele através de suas canções, e “Helter Skelter” teria detalhes sobre seus planos proféticos para o estouro de uma guerra racial nos Estados Unidos.

“Helter Skelter” é o nome de um brinquedo infantil britânico construído como espiral. Paul McCartney, no livro “Many Years From now” de Barry Miles diz que “Eu usei o símbolo do brinquedo helter skelter como uma ida do topo para o fundo – a ascensão e queda do Império Romano – e esta era a queda, a decadência, a ida para o fundo. Você pode pensar que é um título bonitinho, mas é tido como (má) referência, desde quando Manson tomou como um hino.”

Em março de 2005, a Q magazine nomeou “Helter Skelter” a número 5 na lista das 100 melhores canções de guitarra. Em 1987, a banda U2 regravou a canção para o projeto/filme “Rattle and Hum”. Na introdução da música, Bono Vox diz que “esta é a canção que Charles Manson roubou dos Beatles. Estamos tomando de volta!”.

Graças aos crimes de 1969, Manson tornou-se um dos maiores divulgadores da idéia que o rock tinha mensagens satânicas escondidas. Muita gente rodou seu LP de trás para frente na época, para ouvir o diabo sussurrrar.

A relação de Manson com o mundo pop e do rock´n roll foi ainda mais longe. Dennis Wilson, um dos integrantes do grupo Beach Boys fez parte da "família" do psicopata. O grupo inclusive chegou a gravar uma das canções escritas por Manson, “Never Learn Not To Love”, presente no álbum “20/20”, de 1969. Não era só sol e praia que simboizava a Califórnia dos Beach Boys nos anos 60.

Manson, que está com 75 anos, tem tentado nas últimas décadas conseguir liberdade condicional, mas continua até hoje cumprindo prisão perpétua de encarceramento. Isso não o impediu de explorar
seu propenso “talento musical”. Em 1993, a banda Gus´n Roses gravou uma de suas músicas, "Look at your Game Girl". E, segundo Linda Kasabian, “Maison permanece tocando violão, dançando, contando histórias e sendo livre" na mente.


7 de ago. de 2009

À Deriva


Deixa muito a desejar o terceiro longa do diretor pernambucano Heitor Dhalia. “À deriva”, em cartaz nos cinemas, possui menos personalidade que seus trabalhos anteriores, como “Nina”, seu filme de estréia. Mesmo com boas condições de produção (Orçamento de US$ 3 milhões), Dhalia perde-se na beleza de búzios. Fez um filme frio em praias quentes.

O filme é resultado de uma parceria entre a produtora O2 e a internacional Focus Features. Com a chancela das duas, teve facilidades para sua exibição no exterior. Bem diferente da produção improvisada em cooperativa de “O Cheiro do Ralo”, segundo e melhor filme do diretor. Para seu novo projeto, Dhalia teve mais traquilidade. Pôde contar com técnicos de ponta e atores renomados como o francês Vincent Cassel (“Senhores do Crime”) e Déborah Bloch. A jovem Laura Neiva, encontrada no Orkut pela produção, estréia sua carreira artística junto com o filme.

Laura é Filipa, adolescente de 14 anos que enfrenta a chegada da puberdade e a separação eminente de seus pais (Cassel e Débora). Emocionalmente confusa, viverá seu rito para a vida adulta da melhor forma possível.

Interessante a premissa do filme, uma temática adolescente rara no cinema nacional. Mas justamente o desenvolvimento da idéia inicial, ou seja, o roteiro, é o calcanhar de aquiles de “À deriva”. O texto escrito pelo próprio diretor - com consultoria de Vera Egito - é dramaticamente superficial, redundante e com um ritmo vacilante. Dhalia tem algo a dizer, mas tem-se a impressão que dava para contar sua história num curta metragem. 1 hora e 37 minutos de duração é suspeitar que há recheio desnecessário no resultado final do projeto.

O trabalho de luz do fotógrafo Ricardo Della Rosa, por exemplo, não parece estar em sintonia com a propensa densidade de algumas sequencias. Praias costumam ser cinematográficas, mas pode fazer mal à retina ver o litoral fotografado como comercial de cartão de crédito por quase duas horas de projeção. No início de carreira, Dhalia trabalhou com publicidade e parece ter incorporado os vícios da profissão. Assim como acontece no cinema de Fernando Meirelles, também um ex-publicitário e produtor desse longa edulcorado.

Ao término de “À deriva”, fica a sensação de insatisfação. Um filme que tinha tudo, mas não chega a acontecer.

5 de ago. de 2009

Frost/Nixon


Depois de ganhar até o Oscar por “Uma mente brilhante” e cutucar o cristianismo em “O código Da Vinci”, o diretor Ron Howard faz seu melhor filme: “Frost/Nixon”, que sai agora em DVD.

O foco da trama é a entrevista que o ex-presidente Richard Nixon concedeu ao jornalista David Frost em 1977. A primeira entrevista televisiva de Nixon após seu envolvimento com o caso Watergate, que gerou sua renúncia em 1975.

Frost (Michael Sheen de “A Rainha”) é um jornalista determinado. Depois de anos apresentando programas de auditório, busca legitimar sua carreira produzindo audiovisualmente o julgamento que Nixon não teve. Interpretado sanguineamente por Frank Langella, conhecemos um Nixon truculento e traiçoeiro, complementar ao Nixon traçado por Oliver Stone em seu filme de 1995. Vemos um homem solitário atrás de uma redenção inatingível, por abusos de poder indefensáveis.

Howard rege com grande competência o roteiro enxuto de Peter Morgan (indicado ao Oscar). Mostra maturidade no desenvolvimento dos personagens, extrema noção de ritmo cinematográfico. Principalmente quando Frost e Nixon estão frente a frente. Todo encontro é filmado como sutil duelo. Um novo round em que a câmera e montagem geram um clima de tensão e expectativa. Tudo isso potencializado pela trilha musical de Hans Zimmer (“Gladiador").

O filme recebeu no total 5 indicações ao Oscar, incluindo melhor ator (Langella) e diretor (Howard). Nos extras do DVD vale a pena conferir a entrevista original entre os dois oponentes.

4 de ago. de 2009

Moscou

Eduardo Coutinho é o mais importante cineasta brasileiro em atividade. A cada novo documentário busca reinventar seus filmes anteriores, ir mais longe em suas investigações quanto às fronteiras do cinema de não ficção. “Moscou”, que estréia nesta sexta, não é diferente. Talvez o filme mais experimental de toda a carreira do cineasta.

Para seu novo filme, Coutinho pediu ao grupo de teatro mineiro Galpão que sugerisse um diretor teatral para guiar a montagem de fragmentos da peça “As três irmãs”, do dramaturgo russo Anton Tchekhov. Enrique Dias, da Cia dos Atores do Rio de Janeiro foi o escolhido. A partir desse encontro, tanto Dias quanto Coutinho propõem ao atores jogos teatrais dos mais variados. Um complexo jogo de cena que mistura ficção e realidade, verdade e imaginação.

“Moscou” não tenta contar uma história linear com começo, meio e fim. Não se propõe ser um registro da montagem de “As três irmãs”, tampouco dos bastidores da encenação como faria um tradicional “making of”. A proposta é mais radical. “Moscou” assume o fragmento, o lacunar. Cada sequência possui em si o seu significado e a sua força. Cabe ao espectador se deixar levar por essa experiência cinematográfica. O que não é sempre fácil.

Trata-se de um filme exigente, que levanta temas que percorrem toda a obra de Coutinho: A família, a dor da perda, a fugacidade do tempo e, principalmente, a morte. Por este último, o diretor admite ter uma verdadeira obsessão.

http://pipocamoderna.virgula.uol.com.br/


3 de ago. de 2009

Hitchcock e o cinema puro de Psicose

“Tratarei o público com choques benéficos. A civilização transformou-se em algo tão protetor que já não somos capazes de nos arrepiar de forma instintiva. A única forma, maneira, o único jeito de sair desse amortecimento - apatia - e restaurar o nosso equilíbrio moral é lançando mão de meios artificiais para trazer de volta o choque. E a melhor forma de se conseguir isso, me parece, é através do cinema.”


A. Hitchcock




Com um invejável domínio dos artifícios cinematográficos, o diretor inglês Alfred Hitchcock consolidou-se como especialista em um único gênero, o suspense. O crítico e professor Ismail Xavier escreve no prefácio do livro de entrevistas “Hitchcock/Truffault” que o diretor realizava “a orquestração do olhar capaz de capturar o espectador, [...] Medo e expectativa compõem o lastro dessa captura, qualquer que seja a opinião que se tenha sobre o valor de tal experiência e de sua filosofia”. Hoje ninguém tem a ousadia de negar a importância dos filmes do velho Alfred. Mas nem sempre foi assim. O prestígio do diretor e a consciência de sua inquestionável grandeza artística vieram aos poucos. Como também o reconhecimento de filmes seus como clássicos fundamentais da história do cinema.

Hitchcock era um cineasta popular, um showman sem medo de fazer papel de palhaço para fazer propaganda. Fotos com pássaros no charuto, se vestir de bebê em seu programa de televisão semanal, tudo valia para que seu carisma ajudasse na divulgação de sua persona e, consequentemente, de seus filmes. Tudo isso colaborou para que Hitch e sua obra não fossem levadas muitas a sério, nem pela intelectualidade da época, nem por Hollywood. Indicado ao Oscar muitas vezes, nas categorias de filme e direção, o cineasta nunca recebeu a cobiçada estatueta dourada. O prêmio só chegou em 1968 com um Oscar especial pelo conjunto da obra. Na noite da premiação, com o homem pelado e careca nas mãos, Hitchcock agradeceu com um lacônico e ressentido “thank you”. O mais curto agradecimento na história da Academia...

Foi só em meados dos nos 60 que o olhar sobre o cinema de Hitchcock tornou-se, aos poucos, mais respeitoso. Os jovens críticos da famigerada Cahiers du Cinéma cruzaram o Atlântico com sua política dos autores para resgatar os diretores americanos que mais admiravam, entre eles Nicholas Ray, Howard Hawks e Hitchcock. Diretores que os jovens críticos franceses consideravam ser mais que artesãos competentes. Eles foram atrás dos “verdadeiros artistas”, daqueles que possuíam um estilo cinematográfico pessoal ou investigavam temas que apareciam com recorrência em seus filmes. O crítico e depois cineasta François Truffault fazia parte dessa trupe de críticos amantes de A dama oculta (1938), Janela indiscreta (1954), etc.


Truffault foi talvez o principal responsável pela revisão crítica de seu admirado, graças às entrevistas cedidas por Hitchcock ao cineasta para a feitura de “Hitchcock/Truffault”, relançado aqui pela Companhia das Letras em ótima edição. O livro é uma das bíblias de qualquer cinéfilo, e com ele uma nova brisa foi soprada para os desqualificadores do mestre, cuja carreira encontrou seu ponto mais alto em Psicose (1960), que em minha forma de ver é sua principal obra. A que melhor expressa e exemplifica seu brilhantismo. Falando do filme com Truffault, comentou:

“A construção desse filme é muito interessante e é minha experiência mais apaixonante de jogo com o público. Com Psicose, fiz a direção dos espectadores, exatamente como se eu tocasse órgão”. P. 275.

Ouve-se muito por aí, com bons fundamentos, que Vertigo - Um corpo que cai (1958), e não Psicose, é seu melhor filme. Na opinião de seu biógrafo, Donald Spoto,Vertigo seria seu filme mais denso e pessoal, a expressão mais genuína de um Hitchcock cheio de neuroses, medos e obsessões.

O clássico com James Stewart e Kim Novak é realmente grande, maravilhoso. Mas é importante lembrar que em primeiro lugar Hitchcock buscou a comunicação com o público, assim como Fellini. Há no enredo de Vertigo, simplificando um pouco, dois filmes. Um que vai até a morte de Madeleine (Novak), e outro sobre a busca necrófila de Scottie (Stewart) para ressuscitar sua amada. Essa complexidade de roteiro não ajudou a fazer desse clássico um sucesso como o diretor esperava. Diferente de Psicose, um êxito de público retumbante. E isso vem de uma razão essencial: Psicose é o filme em que o estilo e apuro técnico visual de Hitchcock alcançaram a excelência. Aquele em que o cineasta provou sua habilidade em manipular o espectador como queria, fazê-lo tremer e suspirar no momento que desejava.

O assunto de um filme nunca interessou muito a Hitch. A trama era algo secundário. A preocupação com a forma - os enquadramentos, a montagem, onde usar a trilha sonora – era o que fazia seu coração bater mais depressa. E seu filme com Janet Leigh é emblemático nesse sentido. Diz ele novamente a Truffault:

“[...] o tema me importa pouco, os personagens me importam pouco, o que me importa é que a montagem dos fragmentos do filme, a fotografia, a trilha sonora e tudo que é puramente técnico conseguiram arrancar berros do público. [...] Não foi uma mensagem que intrigou o público. Não foi uma grande interpretação que transtornou o público. Não era um romance muito apreciado que cativou o público. O que emocionou o público foi o filme puro”. P. 287.




Psicose é “cinema puro”, expressão de Truffault. Porque as especificidades dessa arte são usadas com maestria. Porque os movimentos de câmera são tão essenciais quanto a construção dramática de Marion Crane. Tudo com o intuito de cativar o espectador, manipulá-lo sem pudor. E para isso, no caso do filme 1960, a sabedoria no uso da trilha musical de Bernard Herrmann é essencial, senão imprescindível.

O começo dessa parceria entre Hitchcock e Herrmann foi em 1955, na comédia de humor negro O terceiro tiro, e perdurou por mais de dez anos. A trilha de Psicose serve ao filme, fora dele a audição da trilha pouco se sustenta. Violinos, violoncelos e baixos dão o clima de cada sequência com linhas musicais pouco melodiosas. Em “A construção do suspense: a música de Bernard Hermann em filmes de Alfred Hitchcock” (Ieditora), a pesquisadora Rosinha Brener diz algo interessante:

“A música de Psicose é o que se pode chamar de uma das mais perfeitas para um filme de suspense. Com efeito: o que seria da cena do chuveiro, se não fossem os glissandos arrepiantes? Esta cena explica o que a música pode injetar em uma imagem. Ao que parece, o interesse de Hitchcock na música está na força que ela pode oferecer para intensificar o suspense”. P.24.

Atualmente há um certo vício em muitos dos textos e resenhas sobre cinema. O enredo e o tema do filme costumam pautar as análises. Como diz Woody Allen, crítica é a racionalização da subjetividade, então cada um de nós faz o recorte que bem entende, mas sinto falta de críticas que também lembrem de “como” o cineasta conta suas histórias, e não somente sobre “o quê” discorre seu filme. Observar as especificidades cinematográficas de Psicose, e não somente fazer uma análise psicanalítica ou do ponto de vista da interpretação de Anthony Perkins (Norman Bates) por exemplo, me parece fundamental. E que no final valoriza devidamente as contribuições de Hitchcock para a evolução do cinema moderno. Neste quesito, Hitch é tão importante para a história do cinema quanto Orson Welles... O que não é pouco.

Com Psicose, esse gourmet fascinado por loiras alcançou o virtuosismo de sua mise-en-scène, de seu estilo e de sua filosofia sobre o que é o Cinema. Enigmática pergunta que nem o ensaísta Jean-Claude Bernadet se arrisca a responder em seu pequeno livro “O que é Cinema”, editado pela Brasiliense. Psicose é teoria e prática, forma e conteúdo casando-se harmonicamente.