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24 de ago. de 2007

Santiago

Não é sempre que se tem a oportunidade de escrever sobre uma obra-prima...Tive a oportunidade de estar presente na primeira exibição pública de Santiago em São Paulo, no último festival de documentários É Tudo Verdade.

O grande fotógrafo e diretor Walter Carvalho foi quem apresentou o filme. Como o diretor João Moreira Salles não pôde comparecer, Walter leu uma sincera carta do diretor em que agradecia sua equipe e apresentava minimamente o filme que iríamos ver. Na sala, numa poltrona à minha frente, sentava o crítico e ensaísta de cinema Jean-Claude Bernadet. No fundo da sala do Cinesesc estava Luiz Carlos Merten, crítico do Estadão, a quem bem conheço e admiro.

Ver o filme, fazer parte daquele momento foi uma experiência única. Daquelas que só a grande arte pode nos oferecer. Saí de Santiago muito emocionado, sedento para compartilhar com alguém o que havia se passado naqueles últimos 80 minutos de projeção.

Após muito pensar e ler sobre Santiago, creio que é o melhor documentário brasileiro desde o clássico Cabra Marcado para Morrer (1984), de Eduardo Coutinho. Acredito que este filme entrará para história como um dos maiores filmes brasileiros já realizados. Haverá um antes e um depois de Santiago, como disse Luiz Merten alguns dias depois de ver o filme.



O diretor João Salles e Santiago: O filme foi rodado há 13 anos e só agora finalizado.


Santiago é o nome do mordomo que serviu por muitos anos a família do diretor. Mas por mais que o filme investigue essa figura fascinante do ex-mordomo, temos uma obra sobre o próprio João Moreira Salles. Sua infância, lembranças e, acima de tudo, sobre sua postura em relação ao homem- Santiago como documentarista e antigo filho do patrão.

João Salles realiza seu filme mais maduro e pessoal. E provavelmente devido a essa "pessoalidade", o filme tenha alcançado um nível tão excepcional. Como disse Martin Scorcerse em uma entrevista há alguns anos: “Quanto mais um filme é a expressão de uma visão única, quanto mais ele é pessoal, mais ele se aproxima do estatuto de obra de arte”.

Mesmo se ver documentários não faça parte de seu gosto pessoal, realize uma exceção para este filme. Santiago é muitas coisas, um filme sobre memória, vida, morte, mas é também sobre o tempo, de como ele coopera para o amadurecimento do indivíduo. Um filme que vem comprovar a maturidade do homem João Salles, e do grande artista que se tornou. Obrigatório.

22 de ago. de 2007

Encontro com Milton Santos

Até quando o cinema documentário insistirá em ser tão irritantemente didático? Por que é necessário ilustrar com imagens 90% do que é dito? Convidar mais de uma meia-dúzia de atores para serem "narradores do filme"? Quem ainda aguenta narração em off em documentário? Depois de quase um século de história do gênero?!

Eis um documentário que se propõe crítico, político, até. Mas Encontro com Milton Santos possui uma linguagem tão convencional que anulará qualquer impacto pretendido no espectador e na sociedade. Tudo é excessivamente mastigado, explicitado. Não há chance para um olhar ativo do público. Não há confiança nas imagens, tampouco tempo para refletir sobre as mesmas. Discurso oral e imagem lutam contra si.

30 filmes como esse poderiam ser lançados em nossos cinemas e o impacto continuaria irrisório. Do diretor de Glauber-Labirinto do Brasil, eu esperava um pouco mais de ousadia cinematográfica. É pertinente sempre não nos esquecermos do poder da metáfora, da sugestão e da inteligência da platéia!

20 de ago. de 2007

Simpsons – O filme

Não, não é um extenso episódio de tv. Desde a trama bem amarrada à “escala” dos acontecimentos, é um filme para tela grande. Simpsons O - filme mantêm a qualidade do seriado semanal, o que não é pouco, já que a série é um dos raros exemplares de vida pensante na televisão (mundial?).

Diferente do que pensa o crítico do Estado, Luiz Zanin, o longa não possui um final “edificante” para satisfazer a demanda “mercantilista” do desenho nas bilheterias, não frustrando, assim, as expectativas do público. Os Simpsons é muito mais do que uma simples franquia caça-níqueis!


Com um olhar mais atento, é possível perceber que o seriado criado por Matt Groening é todo preenchido de valores familiares, éticos e... "edificantes". Por mais que, de maneira sofisticada e bem-humorada, ironize esses mesmos princípios. Simpsons O - filme, assim como muitos episódios da série, fala de redenção. Redenção de Homer para com sua cidade e esposa, de Bart com seu verdadeiro pai. E isso tudo sem pieguice. Não é constrangedor ver uma família reatando seus laços porque, acredito, são sinceras as intenções dos criadores do desenho.

Sugestão: Ao buscar uma sala para ver o filme não arriscaria a versão dublada. O dublador de Homer não é o original da versão televisiva. A sala 1 do Espaço Unibanco projeta a versão original, com legendas. Não perca um humor da mais alta qualidade e inteligência...

17 de ago. de 2007

Person

Ainda dá para ver o documentário sobre o cineasta Luis Sérgio Person! Ele fica mais uma semana na sala 4 do Espaço Unibanco de Cinema.

Por mais que o resultado seja um pouco irregular, Person é um documentário que merece atenção. Primeiro porque traz um panorama de um dos nossos maiores cineastas, diretor de pelo menos dois grandes filmes: São Paulo S.A (1965) e O Caso dos Irmãos Naves (1967). Uma segunda boa razão é que ele foi idealizado e dirigido por sua filha, Marina Person.

Temos aqui um retrato afetuoso de uma filha que pouco pôde conhecer do próprio pai. Mas através dos filmes do diretor, Marina aproximou-se do homem e artista que foi Person. O Homem morre, mas seus feitos o perpetuam...

Luis Sérgio Person é (uso o tempo presente porque sua obra continua viva, mesmo que seu idealizador tenha partido há mais de 30 anos) um cineasta pouco conhecido, digamos, da maioria do público. Vi seus filmes em mostras especiais e sempre fico impressionado com o domínio da linguagem cinematográfica que ele tinha. Revi São Paulo S.A há poucos dias e é fascinante como o filme mantêm sua força. Person filmou pouco (morreu aos 39), mas foi muito preciso quando o fez.


São Paulo S.A: Obra-prima. Recém - lançado em DVD.

Ver em São Paulo S.A o personagem de Walmor Chagas melancólico, caminhando pelas ruas da São Paulo efervescida pela industrialização do final dos anos 50, já faz parte dos mais marcantes momentos do cinema nacional. Assim como as cenas de tortura em O caso dos Irmãos Naves. Imagens de tal potência que permanecem ainda por muito tempo na memória.

Não sei se a obra de Person já alcançou seu lugar merecido na História...


Person – Espaço Unibanco de Cinema – 18:20h

14 de ago. de 2007

Duro de Matar 4.0

Tenho uma relação muito pessoal com a série Duro de Matar. Ao lado do meu irmão vi e revi infinitas vezes os percalços de John Mclane. Sei de cor as falas dos primeiros filmes. Deixando claro que acho somente os dois primeiros filmes da franquia dignos de nota. O terceiro me parece um erro crasso de percurso.

O mundo e o cinema mudaram muito desde que o primeiro Duro de Matar, em 1988, ajudou a reformular o filme de ação norte-americano. Para um novo filme, em pleno século 21 e pós-11 de Setembro, os donos da franquia corriam o risco de descaracterizar o personagem original vivido por Bruce Willis.

Duro de Matar 4.0 não cai nessa armadilha. O carisma e humor do personagem continuam lá, e sua maneira única de enfrentar seus perigos continua a mesma. Mesmo que agora envolto num mundo de hackers e alta tecnologia.

O filme funciona como espetáculo de ação, mas merecia um vilão mais original e interessante. Não fez feio diante de minha expectativa (quase nostálgica) de rever o policial Mclane em ação. Mas também não alcança o humor nem a originalidade dos dois primeiros filmes.

10 de ago. de 2007

Medos Privados em Lugares Públicos

Em tempos de Shreks, Piratas do Caribe e Tranformers, é imprescindível procurar um filme nos cinemas com que se possa realizar uma “reeducação do olhar”.

Explico. O cinemão americano é de uma velocidade tal que ao espectador não sobra tempo algum para “acrescentar” algo à imagem, ou à cena. Tudo é explicado, mastigado. Dramas e emoções pré-fabricadas para assimilação passiva do público. Um tipo de cinema que acaba por viciar nosso olhar, deixando-o mais preguiçoso, insensível e, em casos mais graves, realmente anestesiado.

Para tratamentos de reeducação da sensibilidade, portanto, sugiro Medos Privados em Lugares Públicos, filme ainda em cartaz, e pelo o que li fazendo uma boa carreira no circuito alternativo.

Com mais de oitenta anos o diretor Alain Resnais continua na ativa. Esse seu último filme ganhou o prêmio de direção no último festival de Berlim.

No inverno de Paris, diversos personagens vivem a procura de afeto, de algum alento em suas vidas. Da singeleza das histórias até a sutiliza das interpretações. Tudo coopera para que Medos Privados... nos ajude a relembrar o que é realmente belo ver dentro de uma sala escura. Uma experiência gratificante. Obrigado, Resnais.

8 de ago. de 2007

Bobby

Junto com seu irmão, John Kennedy, e com Martin Luther King, Robert Kennedy (Bobby) representou nos anos sessenta uma fagulha de esperança para os norte-americanos. O ator-diretor Emílio Estevez quer que seu filme nos faça recordar desse momento, em que o sonho de um Estados Unidos mais humano e tolerante parecia próximo da realidade.

Bobby passa-se inteiramente dentro do hotel Ambassador, acompanhando diversos personagens que presenciaram a morte do senador democrata, em junho de 1968.

O resultado da boa-intenção é irregular. Falta maturidade na direção de Estevez. Uma dramaturgia mais sólida e segura levaria seu filme e seus (bons) atores a um resultado mais consistente.

O filme também não encontra o tom certo entre a sobriedade e a romantização da figura de Bobby. É sempre delicado e traiçoeiro prender-se ao “e se tudo tivesse acontecido de maneira diferente...”.

Temos um filme-coral, como em Nashville e Magnólia. A influência do cinema de Robert Altman e P.T Anderson no filme é latente. Pena que Estevez não possua o mesmo talento, ou o domínio da linguagem cinematográfica que tem esses dois diretores.

Mas o filme possui pelo menos uma bela cena! Enquanto Bobby discursa, já no final do filme, o som é cortado para ouvirmos somente The Sound of Silence, canção de Simon & Garfunkel. Os olhos esperançosos da platéia do hotel que ouve as palavras do senador emocionam o espectador. A platéia do meu lado ficou toda lacrimosa, e eu também...

1 de ago. de 2007

Ingmar Bergman (1918 -2007)

Morreu nessa última segunda-feira um dos maiores mestres da sétima arte. Junto com Chaplin, Woody Allen e Hitchcock, Ingmar Bergman é um dos diretores mais marcantes e importantes em minha vida de cinéfilo. Me emocionei quando soube de sua partida.

Muitas das imagens de seus filmes foram de tal maneira calcificadas na minha memória, que acho que as levarei por toda vida: O jogo de xadrez com a Morte em O sétimo selo, o professor Isak Borg rememorando sua namorada em Morangos Silvestres, os gritos de dor e angústia da irmã enferma em Gritos e Sussurros. Tantas obras – primas...

Impossível ficar indiferente a Bergman. Ele toca em assuntos pertinentes a todo homem, desde sempre. A dificuldade de relacionamentos, a inevitabilidade da morte, o sentido da existência.


Inevitável. No jogo de xadrez com a Morte ela sempre há de ganhar...

Diferente do que já li e ouvi, nunca vi o cinema de Bergman como pessimista. Há sempre em seus filmes algum alento, um fugaz momento de luz que nos faz lembrar que a vida vale a pena ser vivida. Mesmo sendo quase sempre tão dolorosa.

Para os que já o conhecem bem, ou para os que querem se iniciar a obra do mestre. Segue os que são, para mim, seus filmes mais belos, que de alguma forma muito me emocionam a cada revisão.
Todos disponíveis em DVD:

O Sétimo Selo (1956)

Morangos Silvestres (1957)

Gritos e Sussurros (1972)

Sonata de Outono (1978)

Saraband (2003)