analy

26 de dez. de 2007

Retrospectiva Internacional – 2007


Bem mais difícil fazer esta lista de destaques internacionais. Acho que consegui chegar a cinco títulos notáveis. Com exceção de O Guardião, que ainda não teve lançamento em DVD, todos são fáceis de encontrar, e Lady Chatterly continua em cartaz no Reserva Cultural.

1- Cartas de Iwo Jima – Clint Eastwood - (EUA)

O melhor filme da carreira do velho Clint. O ponto central de seu filme é a questão do Outro, o “inimigo” japonês. Eastwood, de alguma forma, reinventou a maneira de se fazer filmes de guerra.

2- Lady Chatterly – Pascale Ferran - (França)

Poucos filmes são tão sensíveis ao contar uma relação de adultério. A tensão entre diferenças classes é o subtexto desse belo filme, com uma trilha e fotografia excepcionais.

3- O Guardião - Rodrigo Moreno - (Argentina)

O diretor Moreno não só nos apresenta como é a existência melancólica desse segurança interpretado magistralmente por Júlio Chaves, como é muito rigoroso e feliz na linguagem fílmica escolhida.

4 - Zodíaco – David Fincher - (EUA)

Filmaço que veio para subverter os tradicionais filmes sobre serial killers. Fincher, diretor de Seven e Quarto do Pânico, é hoje um dos mais interessantes cineastas. Tenho revisto seus filmes e o cara é bom.

5- O Bom Pastor – Robert de Niro - (EUA)

Um pouco menosprezado pela crítica na época do lançamento, foi uma das minhas maiores surpresas no ano. De Niro surpreende em sua segunda investida como diretor, e Matt Damon prova ser um ator de primeira, ou quase.

25 de dez. de 2007

Retrospectiva Nacional - 2007


Mais do que simplesmente selecionar os “melhores” filmes em detrimento de muitos outros não tão bons assim, uma retrospectiva serve também para tentarmos mensurar o que vimos em um ano. Colocar em perspectiva tendências, surpresas e avanços de nossa cinematografia.

Listei cinco filmes nacionais que merecem um lugar respeitável em nossa memória cinéfila. Nosso cinema, assim espero, sempre terá um local de destaque neste espaço de reflexão. Não importa se bons ou medíocres. Ver filmes de nossa cultura será sempre enriquecedor. O cinema brasileiro é espelho e farol para o desvendar de nossa identidade.

Bem, eis a lista:

1- Santiago – Não poderia ser diferente. Um filme que já faz parte de nossa história. Um exemplo de singeleza, inteligência. Obra-prima do cinema documentário.

2- Jogo de CenaSantiago pode ter sido o melhor, mas Eduardo Coutinho ainda é nosso maior cineasta vivo. Um filme sobre a arte de interpretar e a arte de ser mulher. Maravilhoso.

3- Não por Acaso – Mesmo com suas imperfeições é impossível não se emocionar com interpretações tão marcantes e um diretor estreante com algo muito bonito a dizer sobre as relações humanas.

4- A Via Láctea – Há duas semanas participei de um debate com a cineasta Cacá Diegues. Para o diretor cinema-novista, o filme de Lina Chamie é nada menos do que o melhor filme do ano. Música e poesia se combinam para falar de amor e morte.

5- Cheiro do Ralo – A jornada infeliz de uma capitalista incapaz de amar algo além de bens materiais. Humor e escatologia num Selton Mello irreparável. Heitor Dália, o diretor, prova que o interessante Nina, seu filme de estréia, não foi sorte de principiante.

9 de dez. de 2007

O assassinato de Jesse James...


Provavelmente pela alta expectativa que tinha pelo filme, maior foi a decepção no término da projeção. Mesmo com sua fotografia deslumbrante e trilha musical excepcional, O assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford incomoda pelo seu ritmo moroso, quase arrastado.

O assassinato de Jesse James... me parece um filme que sofreu muito na sala de montagem. Às vezes filma-se muito material, o que pode ocasionar uma verdadeira via-crúcis para o montador e diretor tentarem viabilizar um produto final satisfatório.

Irretocáveis são realmente as interpretações de Brad Pitt (James) e Casey Affleck (Ford). Pitt já provou ser um ator de primeira qualidade. Os 12 Macacos e Clube da Luta são exemplos de excelentes construções de personagem. Sua participação em Babel (aquele “filmeco”), junto de Cate Blanchet, é o que o filme tem de melhor.

Gostaria de rever o filme, mas, como o público não compareceu, está em exibição em apenas duas salas que são contra-mão em meu corre-corre diário. Só mesmo em DVD para uma revisão e, quem sabe, uma melhor compreensão das intenções deste western (?).

6 de dez. de 2007

Viagem a Darjeeling


Inevitável. O novo filme do diretor Wes Anderson dividiu opiniões de público e crítica. Você pode não gostar do cinema do diretor, mas há que se admitir que seus filmes são no mínimo originais.

Por mais que Anderson faça seus filmes margearem tanto no registro do drama como no da comédia, não caberia enquadrar seu cinema simplesmente como “comédia dramática”. Wes Anderson faz filmes à Wes Anderson. O que já é um ponto positivo.

Como disse, seus filmes podem tanto emocionar como fazer rir, e Viagem a Darjeeling não é diferente. Para meu gosto pessoal, acho que Anderson é mais feliz quando investe nos dilemas dramáticos de seus protagonistas. Na falta de uma melhor palavra, seu tipo de humor me parece um tanto quanto bobo.

Em entrevista ao jornalista Laurent Tirard, o cineasta Martin Scorsese diz que um filme deve ser como um quebra cabeça, que aos poucos vai dando suas peças para que o espectador as junte e monte o filme.

Na cena final de Viagem a Darjeeling é possível encontrar a peça-chave para compreender o que impedia o três irmãos de (metaforicamente) se encontrarem e se reconciliarem: Ainda faltava se desprenderem da sombra do pai, morto há um ano atrás. Há uma espécie de luto interrompido. E somente após esse desprendimento é possível aos irmãos andarem com suas próprias pernas e reatarem seus laços fraternos.

Viagem... vale, sim, uma espiada, mesmo que ainda eu ache seu primeiro filme - Rushmore - melhor que os demais. Muitas vezes supervalorizado, Wes Anderson ainda merece atenção.

26 de nov. de 2007

Noel - Poeta da Vila

Um tanto quanto fria esta biografia de Noel Rosa. Há um artificialismo, principalmente nos diálogos, que muito incomoda. Falta o calor e a sensualidade vista em filmes como Cidade Baixa de Sérgio Machado, ou Madame Satã de Karim Aïnouz .


Rafael Raposo - que interpreta o sambista - muito se esforça, mas é nítida sua inexperiência na arte da interpretação. O que o filme têm de melhor é mesmo Camila Pitanga. Além de bela, Camila é excelente atriz, compondo uma Ceci ao mesmo tempo amarga e doce.


Em suma, o personagem é maior que o filme. A melhor forma de conhecer Noel Rosa é ainda ouvindo seu sambas.


22 de nov. de 2007

Jogo de Cena (2)


Continuando...

Já disse uma vez o diretor Nelson Pereira do Santos que a linguagem do documentário é muito mais complexa que a de ficção”. Palavras essas vindas de um cineasta que já atuou com mestria nesses dois universos (gêneros?) do cinema.

Relembro a frase do diretor de Vidas Secas porque é importante notar que tanto Santiago, como Jogo de Cena, são filmes que colaboram para a evolução do debate sobre cinema e, sobretudo, sobre a linguagem do documentário. Santiago de João Salles, por exemplo, é tanto um filme sobre seu mordomo, como também sobre os dilemas da arte de realizar um filme de caráter documentário. Seus limites de objetividade, de ética.

Jogo de Cena reflete também sobre os limites do cinema de não-ficção. Como o dilemas de se alcançar a "verdade” numa entrevista, por mais emocionante e verdadeira que ela possa parecer. Coutinho, neste seu último filme, radicaliza questões que persistem em seu cinema desde Santo Forte, de 1997. Até que ponto vai a verdade e a representação? Se nós todos estamos em constante representação em nosso dia-dia. Imagine então em frente de uma câmera...

Ao chamar atrizes para representar depoimentos reais, Coutinho reafirma sua convicção de que não há verdade objetiva no documentário. A única verdade que existe é a do ato de filmagem. A arte do encontro entre cineasta e seu personagem. Disse Coutinho numa conferência do É tudo verdade, em 2001:

Na verdade, mesmo no filme etnográfico ele (o diretor) não filma o real, ele filma um encontro entre um cineasta e o mundo. O documentário é isso: o encontro do cineasta com o mundo”.

Jogo de Cena é um dos mais emocionantes e geniais filmes do mestre.

Jogo de Cena


Pois bem. Com computador 100%, voltamos às atividades. Vi muita coisa nesses dias, boa e má, mas acompanhei principalmente nossos filmes nacionais. Muitas foram as estréias de filmes brasileiros, e falo primeiramente do novo filme de Eduardo Coutinho, Jogo de Cena. Que com certeza merecerá mais linhas que as escritas abaixo.

O ano de 2007 está terminando e já surge a tentação de apontar os “melhores filmes do ano”. É um pouco coisa de (norte) americano, fazer listas o tempo todo, essas coisas. Mas é também saudável olhar a produção cinematográfica em perspectiva, apontar progressos, tendências, etc.

Digo isso porque acho emblemático observar que os dois melhores filmes (nacionais ou não) do ano são filmes documentários: Santiago, a obra-prima de João Salles, e, claro, o novo filme de Coutinho. O cinema - documentário cresce no mundo todo, e vale a pena fugirmos de qualquer sombra de provincianismo para constatar que a produção documental brasileira é uma das melhores do mundo. Sem demagogia.

Ainda nessa lista de “melhores” do ano, sem dúvida ainda incluiria outro documentário, o belo 500 Almas, de Joel Pizzini. Um filme infelizmente pouco visto, mas que, espero, encontre seu lugar na história de nosso cinema. Um filme de imensa sensibilidade, poesia e originalidade.

Continua...

7 de nov. de 2007

Manutenção...

Caros amigos,

O CINE - VERDADE terá um pequeno recesso.

Meu computador está em manutenção, o que me impedirá de escrever nos próximos dias.

Em breve retorno com resenhas de Via Láctea, Jogo de Cena, Noel - O poeta da Vila e Leões e Cordeiros.

grande abraço,

Josafá Veloso

31 de out. de 2007

Renaissance

Em tempos de Mostra de Cinema, filmes que entram em cartaz costumam ser um pouco ignorados pelos jornais. É o caso de Renaissance, que estreou no Espaço Unibanco na última sexta. Um filme realmente fascinante. Uma primorosa animação francesa que mereceria mais atenção do que lhe foi dada.

O ano é 2054, e essa ficção científica ambientada numa Paris futurista nos remete ao cinema noir: A imagem em preto e branco, o policial investigador, uma trama cheia de reviravoltas. Fiquei muito impressionado com o filme. Trata de questões como os limites éticos da eugenia, a busca pela imortalidade. Dá para ver que não é pouca coisa, não.

De alguma forma, o filme reinventa o alerta de Mary Shelly em seu Frankenstein: Cabe ao Homem reconhecer seus limites quanto à manipulação da vida e da morte. Diz o doutor Victor Frankenstein, no início de seu relato:

“... como é perigoso adquirir saber, e quão mais feliz é o homem que acredita ser a sua cidade natal o mundo, do que aquele que aspira a tornar-se maior do que a sua natureza permite”.

A frase acima poderia servir de prefácio para Renaissance. Difícil falar do filme sem entregar sua trama tão bem construída. Prefiro, ao invés de esmiúça-lo mais, estender o convite para que não o percam de forma alguma. Um filmaço ainda para ser descoberto!

21 de out. de 2007

Piaf - Um Hino ao Amor

Piaf, antes de tudo, é o ingresso para uma forte experiência emocional. Beira o dilacerante acompanhar uma vida que tanto oscilou entre a euforia e a depressão.

Mas, um pouco diferente do que tanto se escreveu sobre o filme. Não acho que só Marion Cotillard, atriz que encarna o papel de maneira sublime, deva levar o crédito para o sucesso do filme.

Piaf, tem uma direção muito menos convencional do que parece. Olivier Dahan usa diversos planos – seqüência de maneira extraordinária. É um filme muito bem pensado e construído.

A cena em que Edith acompanha a luta de boxe de seu amado, o lutador Marcel, é um primor na utilização da música e da montagem. Utilizando recursos cinematográficos, que vão além da performance da atriz, o público pode compartilhar a enorme paixão de Edith. Paixão levada de maneira visceral à suas canções. Um belo filme.

16 de out. de 2007

Tropa de Elite (3)

Continuando...

Como disse no texto abaixo, é Matias, e não o capitão Nascimento, o personagem principal de Tropa de Elite. É talvez nele que deveríamos nos identificar e buscar algum direcionamento para que caminho tomar mediante à questões tão sérias.

Mas Matias não poderá exercer esse papel porque, ao longo do filme, ele perderá seus ideais e objetivos originais. Olhemos com atenção. Primeiramente André Matias é frustrado com a corrupção policial, em seguida, vive a impossibilidade de conviver com os estudantes de sua faculdade, usuários e financiadores do tráfico.

E por último, é manipulado por Nascimento para se tornar um assassino frio e brutal como o personagem interpretado por Wagner Moura. O BOPE, juntamente com as demais partes da sociedade, não dá alternativa a Matias a não ser lutar contra a violência com mais violência. Isso é trágico e nos desconcerta.

A execução final, o tiro que mata o traficante Baiano é na verdade um tiro em nós, espectadores. Cabe à sociedade, e não ao filme Tropa de Elite, encarar de frente nossa situação de barbárie. O que o filme nos dá é um beco sem saída, a tela escura e a frustração.

José Padilha quis com seu filme gerar debate, reflexão. Não nos dar alguma esperança ou um “bom programa” para o fim de semana...

Tropa de Elite (2)

Sempre que nos debruçamos sobre um filme, é imprescindível lembrar que o cinema é uma simplificação da realidade. Quem lembrou disso foi o próprio José Padilha, diretor de Tropa de Elite, em entrevista ao Roda Vida na semana passada.

Pois bem, feita a devida ressalva. Gostaria de retomar o pensamento sobre o filme. Uma obra que ainda pedirá muitas linhas de reflexão, tanto aqui como em toda sociedade brasileira.

Vi o filme já três vezes, e creio que um dos motivos do choque que ele provoca é que não há em Tropa de Elite personagem ou grupo social que seja “poupado”. Explico: Após duas horas de projeção, o sentimento é de perplexidade e impotência. Na mão de quem seguraremos em busca de alento ou refúgio para encontrar respostas para a guerra civil não declarada em que vivemos?

Não podemos apelar para a Policia convencional que, principalmente na primeira parte do filme, é retratada como corrupta até as entranhas. Tampouco a classe média (ou elite?) é mostrada como valorosa ou consciente da magnitude do problema que enfrentamos em relação à violência urbana.

A ONG gerida por estudantes, mostrada no filme, é emblemática nesse ponto. Seus membros são insensíveis para desvendar o real problema de um menino da favela com problemas na escola.

A metáfora é clara. O garoto possui problemas de visão, mas é somente Matias (André Ramiro), o personagem mais lúcido de todo o filme, que é capaz de “enxergar” o que se passa.

Continua...

14 de out. de 2007

Tropa de Elite

Bem, como muitos notaram, tive alguns problemas técnicos nesses últimos dias e fiquei impossibilitado de postar no blog. Não sei o que era, simplesmente não conseguia conectar à rede (minha Internet é discada).

E, após esse pequeno recesso, nenhum outro filme poderia ser a pauta deste espaço a não ser o filme que já não é um simplesmente um filme, mas sim, um fenômeno, um filme-evento. De acordo com pesquisa publicada pela Folha de São Paulo, estima-se que aproximadamente 11.5 milhões (!) de pessoas viram ao filme antes mesmo de sua estréia. Nem José Padilha, o diretor do filme, sabe explicar o porquê de tanta procura.

Após sua exibição no festival do Rio, um forte debate sobre Tropa de Elite tomou conta dos veículos de comunicação. O que só prova a força do Cinema como instrumento para debate e reflexão. Uma arte com um potencial impressionante, capaz de pensar nosso tempo.

É no personagem de Matias (André Ramiro), que se deve ter mais atenção.

Capitão Nascimento não é herói, e está longe de sê-lo. Aqueles que se entusiasmam perante o personagem de Wagner Moura não foram capazes de perceber que Nascimento é um homem em crise. Uma crise que nem mesmo ele, o personagem, é capaz de verbalizar com lucidez. É no não-dito e na linguagem corporal do Capitão que suas contradições se revelam.

Cabe ao público, e só a ele, identificar as contradições do discurso do capitão. Um discurso que pode parecer esclarecedor, mas é limitado. Nascimento é resultado de um sistema brutal e em convulsão. Incapaz de ver a situação em que se encontra na perspectiva adequada.

Para uma melhor compreensão de Tropa de Elite, é recomendável reter mais atenção na figura do personagem Matias. É ele o personagem principal do filme, mesmo que não seja o narrador. Com os olhos mais atentos a ele se pode chegar mais perto das reais intenções de Padilha ao realizar o filme.

28 de set. de 2007

Hairspray

Foi nas décadas de 40 e 50 que o cinema viveu a era de ouro dos musicais. É com certeza o mais escapista dos gêneros cinematográficos. Nele não há um pingo de verossimilhança. No meio do filme um punhado de atores subitamente começa a pular e cantar?

Pessoalmente não tenho problemas com isso. Basta lembrar de Gene Kelly e Donald O´conor em Cantando na Chuva, ou mesmo Fred Astaire e Cyd Charisse em Roda da Fortuna. Obras memoráveis que mantêm seu frescor até hoje.

Mas vamos a Hairspray. O filme tem o seu charme, mas peca pelo excesso. Muitas canções, coreografias e também muito enchimento para transformar John Travolta em mulher, numa manobra de marketing sem muita sutiliza. São mais de duas horas de filme. O número musical final beira o insuportável.


Há atores talentosos que sempre valem a pena rever, como Christopher Walken e Michelle Pfeiffer (linda!). A atriz-personagem principal também é graciosa. Porém, mesmo com alguns bons momentos, o filme não acontece. Difícil compreender o entusiasmo de alguns textos sobre o filme. Foi-se o tempo áureo dos musicais.

Nos últimos anos tem havido uma tentativa de revitalizar o gênero. Chicago, Os Produtores, ou O Fantasma da Ópera foram até bem nos cinemas. O primeiro ganhou até Oscar. Mas o único musical recente realmente digno de nota é Moulin Rougue de Baz Luhrmann, que eu acho maravilhoso. Um exemplo de ousadia e talento. Mas o resto...

26 de set. de 2007

Bem -Vindo a São Paulo

Não deixa de ser um projeto interessante: Diversos cineastas participantes da Mostra de Cinema de São Paulo foram convidados por seu fundador e organizador, Leon Cakoff, para realizar um pequeno curta-metragem com suas impressões sobre nossa metrópole. Amos Gitai, Wolfgang Becker, Daniela Thomas, Maria de Medeiros são só alguns dos renomados diretores convidados a registrarem facetas da capital financeira do Brasil.

O resultado é irregular, como não poderia ser diferente num projeto desse tipo, mas infelizmente acaba sendo irregular demais! De tantos curtas acabei gostando de apenas um, talvez dois: O de Tsai Ming-liang e o de Daniela Thomas. Fica evidente que os diretores tiveram pouco tempo para captação de imagens, como também um período reduzido para trabalhá-las.

Leon Cakoff é um humanista, como se prova na leitura de suas reflexões no livro Ainda temos tempo. E talvez tenha valorizado em excesso o potencial que o “olhar estrangeiro” teria sobre nossa cidade.

Por certo, o olhar externo pode nos fazer ver o que não nos damos conta. Porém, o olhar de um recém-chegado pode também ser comprometido pelo simplismo. O que temos em Bem-Vindo a São Paulo é uma colagem de imagens que já conhecemos e que só estimularia, realmente, quem não vive ou conhece a cidade paulistana.

22 de set. de 2007

Pedrinha de Aruanda – Maria Bethânia

Fui ver o filme não pelo seu tema, mas pelo diretor que eu admiro e que acredito que é um do mais interessantes cineastas da atualidade brasileira. Ele é Andrucha Waddington, diretor de Eu Tu Eles e do belíssimo Casa de Areia.

Waddington, em Pedrinha de Aruanda, optou por um registro de observação. Com exceção de uma conversa com Dona Canô, mãe de Bethânia e de Caetano, não há demais entrevistas ao longo do filme. Prioriza-se momentos mais reservados. Filma-se uma mesa de jantar com o clã reunido, uma seresta informal pela madrugada.

O resultado é sensível, mas insatisfatório, senão contraditório. A própria Maria Bethânia que convidou o diretor para realizar o documentário. A produtora da cantora é uma das financiadoras do filme(!). Quais são as chances de Waddington ter registrado Bethânia em sua espontaneidade mais sincera? Maria Bethânia não deve ter "aprovado" o filme depois de terminado?

Não acho que é só porque não sou fã da cantora, mas me pareceu ao longo do filme que Bethânia interpretava Bethânia. Todos representam diante de uma câmera, isso é fato. Mas na maioria das vezes de forma inconsciente. Quando você realiza, ou idealiza, um filme sobre si mesmo, as chances de algo realmente genuíno de si transparecer no documentário ficam mais difíceis. Não é impossível, vide Santiago, mas é muito mais complicado alcançar um resultado que não seja narcisista.

A matriarca da família Veloso, que acaba de completar 100 anos, fecha o filme mais ou menos com o seguinte depoimento: “A fama e celebridade dos meus filhos de nada importa, o que importa é que eles são bons filhos”. Ora, esse filme existiria se Bethânia não fosse uma cantora de prestígio? E por que financiar um filme sobre si próprio se o resultado final não fosse, justamente, a auto-celebração?

16 de set. de 2007

Querô

Só uma pequena reflexão. Vi que Cidade dos Homens não tem feito boa carreira nos cinemas, principalmente em São Paulo. O que acontece? O filme de Paulo Morelli é cheio de qualidades, mas será que a temática da violência que permeia nosso País está saturada? Não interessa mais ao público? Talvez a realidade já seja por demais violenta para que a acompanhemos novamente representada na sala escura. Não sei.

Querô, de Carlos Cortez, é um filme de muita força. Senão realmente muito bom. Espero que não seja ignorado, mesmo que haja uma pequena sensação de déjà vu ao ver o filme. Maxwell Nascimento, que faz o personagem título, é excelente. Em toda aquela revolta contra a sociedade que não lhe dá oportunidades, há um olhar muito humano.


12 de set. de 2007

Santiago (2)

Já vi Santiago algumas vezes, desde a sua estréia. É realmente um filme que muito me comove e emociona. Filmes, livros, ou peças que abordam a Família sempre tem chances de me fazer lacrimejar. Santiago, já escrevi aqui, não é só sobre o mordomo da casa dos Salles, como também é sobre o próprio diretor. Um documentário de auto-reflexão e auto-crítica.

Porém, revendo-o diversas vezes, é notável como seu diretor fez também um documentário coletivo. Coletivo não na sua autoria, mas em seu, digamos, “objetivo maior”. Em outras palavras: João Salles quer que seu filme sirva de registro não só de suas lembranças, mas das recordações de seus irmãos. Um filme-testamento de tempos já passados.

João foi entrevistado pelo Jô Soares no começo da semana. E o diretor pontuou com surpresa e satisfação quanto ao sucesso que o filme tem alcançado junto ao público. É realmente bem curioso. Um documentário (!) de teor tão pessoal e familiar, de edição um tanto quanto ousada, tocar uma considerável gama de espectadores.

Santiago é pessoal, sim, mas prova-se também universal. O que o filme coloca em seu subtexto é a busca de sentido para a existência. Numa vida que muitas vezes é plena “decepção”, como suportá-la? Como conviver com um Tempo tão implacável?

O mordomo, que vivia em um cubículo no Leblon, se refugiava dessa angustia inerente ao ser humano na devoção à Arte, na admiração pelos pintores pré-renascentistas, na cópia de textos sobre a aristocracia mundial e também em danças e exercícios ás vezes sem muito sentido...

João Moreira Salles, acredito (lendo suas entrevistas), fez seu filme em um momento pessoal muito difícil, e retornar à casa de sua infância e mocidade foi a tentativa de compreender o que é, emfim, a vida. Há nela algum sentido? Santiago (o homem) lhe ajudará a refletir essas questões.

2 de set. de 2007

Cidade dos Homens

E não é que o filme é bom! Vi o filme com um grupo de amigos no último sábado, e a opinião era unânime: Tínhamos visto um belo filme.

Caindo na fácil tentação de comparar Cidade dos Homens com Cidade de Deus, chegamos à conclusão que, em alguns aspectos, a recém estréia é até melhor do que o filme que virou referência do cinema brasileiro no mundo todo.

A pauta do filme de Paulo Morelli é clara: Como a honesta parte da comunidade da favela faz para sobreviver no meio da guerra civil não declarada que é o conflito no mundo do tráfico de drogas. Temática essa só pincelada por Fernando Meirelles em seu Cidade de Deus... Mas vamos ao que interessa!

Pelos olhares de Acerola e Laranjinha, vemos a luta pela sobrevivência diária, a busca por uma estabilidade familiar e os dilemas de pensar um futuro mais esperançoso num mundo tão violento e sem perspectiva.

Se vocês se lembram. Cidades de Deus terminava com um grupo de pré-adolescentes (crianças?) seguindo a cartilha do tráfico e da violência. Notícias de uma Guerra Particular, documentário de João Salles sobre o tráfico no Rio de Janeiro, fechava com um funeral de um traficante e de um policial mortos no conflito. Finais céticos, senão pessimistas em não apontar nenhuma solução ou alento para um problema tão complexo.

Cidade dos Homens prefere ver uma luz no final do túnel, e na última cena em que os dois amigos caminham no amanhecer há a sugestão da possibilidade de um futuro melhor. E por que, não? Sem cair em falsas ilusões, não vale mais a pena sugerir a esperança ao ceticismo?

Gostei demais do filme e fica aqui a recomendação...

24 de ago. de 2007

Santiago

Não é sempre que se tem a oportunidade de escrever sobre uma obra-prima...Tive a oportunidade de estar presente na primeira exibição pública de Santiago em São Paulo, no último festival de documentários É Tudo Verdade.

O grande fotógrafo e diretor Walter Carvalho foi quem apresentou o filme. Como o diretor João Moreira Salles não pôde comparecer, Walter leu uma sincera carta do diretor em que agradecia sua equipe e apresentava minimamente o filme que iríamos ver. Na sala, numa poltrona à minha frente, sentava o crítico e ensaísta de cinema Jean-Claude Bernadet. No fundo da sala do Cinesesc estava Luiz Carlos Merten, crítico do Estadão, a quem bem conheço e admiro.

Ver o filme, fazer parte daquele momento foi uma experiência única. Daquelas que só a grande arte pode nos oferecer. Saí de Santiago muito emocionado, sedento para compartilhar com alguém o que havia se passado naqueles últimos 80 minutos de projeção.

Após muito pensar e ler sobre Santiago, creio que é o melhor documentário brasileiro desde o clássico Cabra Marcado para Morrer (1984), de Eduardo Coutinho. Acredito que este filme entrará para história como um dos maiores filmes brasileiros já realizados. Haverá um antes e um depois de Santiago, como disse Luiz Merten alguns dias depois de ver o filme.



O diretor João Salles e Santiago: O filme foi rodado há 13 anos e só agora finalizado.


Santiago é o nome do mordomo que serviu por muitos anos a família do diretor. Mas por mais que o filme investigue essa figura fascinante do ex-mordomo, temos uma obra sobre o próprio João Moreira Salles. Sua infância, lembranças e, acima de tudo, sobre sua postura em relação ao homem- Santiago como documentarista e antigo filho do patrão.

João Salles realiza seu filme mais maduro e pessoal. E provavelmente devido a essa "pessoalidade", o filme tenha alcançado um nível tão excepcional. Como disse Martin Scorcerse em uma entrevista há alguns anos: “Quanto mais um filme é a expressão de uma visão única, quanto mais ele é pessoal, mais ele se aproxima do estatuto de obra de arte”.

Mesmo se ver documentários não faça parte de seu gosto pessoal, realize uma exceção para este filme. Santiago é muitas coisas, um filme sobre memória, vida, morte, mas é também sobre o tempo, de como ele coopera para o amadurecimento do indivíduo. Um filme que vem comprovar a maturidade do homem João Salles, e do grande artista que se tornou. Obrigatório.

22 de ago. de 2007

Encontro com Milton Santos

Até quando o cinema documentário insistirá em ser tão irritantemente didático? Por que é necessário ilustrar com imagens 90% do que é dito? Convidar mais de uma meia-dúzia de atores para serem "narradores do filme"? Quem ainda aguenta narração em off em documentário? Depois de quase um século de história do gênero?!

Eis um documentário que se propõe crítico, político, até. Mas Encontro com Milton Santos possui uma linguagem tão convencional que anulará qualquer impacto pretendido no espectador e na sociedade. Tudo é excessivamente mastigado, explicitado. Não há chance para um olhar ativo do público. Não há confiança nas imagens, tampouco tempo para refletir sobre as mesmas. Discurso oral e imagem lutam contra si.

30 filmes como esse poderiam ser lançados em nossos cinemas e o impacto continuaria irrisório. Do diretor de Glauber-Labirinto do Brasil, eu esperava um pouco mais de ousadia cinematográfica. É pertinente sempre não nos esquecermos do poder da metáfora, da sugestão e da inteligência da platéia!

20 de ago. de 2007

Simpsons – O filme

Não, não é um extenso episódio de tv. Desde a trama bem amarrada à “escala” dos acontecimentos, é um filme para tela grande. Simpsons O - filme mantêm a qualidade do seriado semanal, o que não é pouco, já que a série é um dos raros exemplares de vida pensante na televisão (mundial?).

Diferente do que pensa o crítico do Estado, Luiz Zanin, o longa não possui um final “edificante” para satisfazer a demanda “mercantilista” do desenho nas bilheterias, não frustrando, assim, as expectativas do público. Os Simpsons é muito mais do que uma simples franquia caça-níqueis!


Com um olhar mais atento, é possível perceber que o seriado criado por Matt Groening é todo preenchido de valores familiares, éticos e... "edificantes". Por mais que, de maneira sofisticada e bem-humorada, ironize esses mesmos princípios. Simpsons O - filme, assim como muitos episódios da série, fala de redenção. Redenção de Homer para com sua cidade e esposa, de Bart com seu verdadeiro pai. E isso tudo sem pieguice. Não é constrangedor ver uma família reatando seus laços porque, acredito, são sinceras as intenções dos criadores do desenho.

Sugestão: Ao buscar uma sala para ver o filme não arriscaria a versão dublada. O dublador de Homer não é o original da versão televisiva. A sala 1 do Espaço Unibanco projeta a versão original, com legendas. Não perca um humor da mais alta qualidade e inteligência...

17 de ago. de 2007

Person

Ainda dá para ver o documentário sobre o cineasta Luis Sérgio Person! Ele fica mais uma semana na sala 4 do Espaço Unibanco de Cinema.

Por mais que o resultado seja um pouco irregular, Person é um documentário que merece atenção. Primeiro porque traz um panorama de um dos nossos maiores cineastas, diretor de pelo menos dois grandes filmes: São Paulo S.A (1965) e O Caso dos Irmãos Naves (1967). Uma segunda boa razão é que ele foi idealizado e dirigido por sua filha, Marina Person.

Temos aqui um retrato afetuoso de uma filha que pouco pôde conhecer do próprio pai. Mas através dos filmes do diretor, Marina aproximou-se do homem e artista que foi Person. O Homem morre, mas seus feitos o perpetuam...

Luis Sérgio Person é (uso o tempo presente porque sua obra continua viva, mesmo que seu idealizador tenha partido há mais de 30 anos) um cineasta pouco conhecido, digamos, da maioria do público. Vi seus filmes em mostras especiais e sempre fico impressionado com o domínio da linguagem cinematográfica que ele tinha. Revi São Paulo S.A há poucos dias e é fascinante como o filme mantêm sua força. Person filmou pouco (morreu aos 39), mas foi muito preciso quando o fez.


São Paulo S.A: Obra-prima. Recém - lançado em DVD.

Ver em São Paulo S.A o personagem de Walmor Chagas melancólico, caminhando pelas ruas da São Paulo efervescida pela industrialização do final dos anos 50, já faz parte dos mais marcantes momentos do cinema nacional. Assim como as cenas de tortura em O caso dos Irmãos Naves. Imagens de tal potência que permanecem ainda por muito tempo na memória.

Não sei se a obra de Person já alcançou seu lugar merecido na História...


Person – Espaço Unibanco de Cinema – 18:20h

14 de ago. de 2007

Duro de Matar 4.0

Tenho uma relação muito pessoal com a série Duro de Matar. Ao lado do meu irmão vi e revi infinitas vezes os percalços de John Mclane. Sei de cor as falas dos primeiros filmes. Deixando claro que acho somente os dois primeiros filmes da franquia dignos de nota. O terceiro me parece um erro crasso de percurso.

O mundo e o cinema mudaram muito desde que o primeiro Duro de Matar, em 1988, ajudou a reformular o filme de ação norte-americano. Para um novo filme, em pleno século 21 e pós-11 de Setembro, os donos da franquia corriam o risco de descaracterizar o personagem original vivido por Bruce Willis.

Duro de Matar 4.0 não cai nessa armadilha. O carisma e humor do personagem continuam lá, e sua maneira única de enfrentar seus perigos continua a mesma. Mesmo que agora envolto num mundo de hackers e alta tecnologia.

O filme funciona como espetáculo de ação, mas merecia um vilão mais original e interessante. Não fez feio diante de minha expectativa (quase nostálgica) de rever o policial Mclane em ação. Mas também não alcança o humor nem a originalidade dos dois primeiros filmes.

10 de ago. de 2007

Medos Privados em Lugares Públicos

Em tempos de Shreks, Piratas do Caribe e Tranformers, é imprescindível procurar um filme nos cinemas com que se possa realizar uma “reeducação do olhar”.

Explico. O cinemão americano é de uma velocidade tal que ao espectador não sobra tempo algum para “acrescentar” algo à imagem, ou à cena. Tudo é explicado, mastigado. Dramas e emoções pré-fabricadas para assimilação passiva do público. Um tipo de cinema que acaba por viciar nosso olhar, deixando-o mais preguiçoso, insensível e, em casos mais graves, realmente anestesiado.

Para tratamentos de reeducação da sensibilidade, portanto, sugiro Medos Privados em Lugares Públicos, filme ainda em cartaz, e pelo o que li fazendo uma boa carreira no circuito alternativo.

Com mais de oitenta anos o diretor Alain Resnais continua na ativa. Esse seu último filme ganhou o prêmio de direção no último festival de Berlim.

No inverno de Paris, diversos personagens vivem a procura de afeto, de algum alento em suas vidas. Da singeleza das histórias até a sutiliza das interpretações. Tudo coopera para que Medos Privados... nos ajude a relembrar o que é realmente belo ver dentro de uma sala escura. Uma experiência gratificante. Obrigado, Resnais.

8 de ago. de 2007

Bobby

Junto com seu irmão, John Kennedy, e com Martin Luther King, Robert Kennedy (Bobby) representou nos anos sessenta uma fagulha de esperança para os norte-americanos. O ator-diretor Emílio Estevez quer que seu filme nos faça recordar desse momento, em que o sonho de um Estados Unidos mais humano e tolerante parecia próximo da realidade.

Bobby passa-se inteiramente dentro do hotel Ambassador, acompanhando diversos personagens que presenciaram a morte do senador democrata, em junho de 1968.

O resultado da boa-intenção é irregular. Falta maturidade na direção de Estevez. Uma dramaturgia mais sólida e segura levaria seu filme e seus (bons) atores a um resultado mais consistente.

O filme também não encontra o tom certo entre a sobriedade e a romantização da figura de Bobby. É sempre delicado e traiçoeiro prender-se ao “e se tudo tivesse acontecido de maneira diferente...”.

Temos um filme-coral, como em Nashville e Magnólia. A influência do cinema de Robert Altman e P.T Anderson no filme é latente. Pena que Estevez não possua o mesmo talento, ou o domínio da linguagem cinematográfica que tem esses dois diretores.

Mas o filme possui pelo menos uma bela cena! Enquanto Bobby discursa, já no final do filme, o som é cortado para ouvirmos somente The Sound of Silence, canção de Simon & Garfunkel. Os olhos esperançosos da platéia do hotel que ouve as palavras do senador emocionam o espectador. A platéia do meu lado ficou toda lacrimosa, e eu também...

1 de ago. de 2007

Ingmar Bergman (1918 -2007)

Morreu nessa última segunda-feira um dos maiores mestres da sétima arte. Junto com Chaplin, Woody Allen e Hitchcock, Ingmar Bergman é um dos diretores mais marcantes e importantes em minha vida de cinéfilo. Me emocionei quando soube de sua partida.

Muitas das imagens de seus filmes foram de tal maneira calcificadas na minha memória, que acho que as levarei por toda vida: O jogo de xadrez com a Morte em O sétimo selo, o professor Isak Borg rememorando sua namorada em Morangos Silvestres, os gritos de dor e angústia da irmã enferma em Gritos e Sussurros. Tantas obras – primas...

Impossível ficar indiferente a Bergman. Ele toca em assuntos pertinentes a todo homem, desde sempre. A dificuldade de relacionamentos, a inevitabilidade da morte, o sentido da existência.


Inevitável. No jogo de xadrez com a Morte ela sempre há de ganhar...

Diferente do que já li e ouvi, nunca vi o cinema de Bergman como pessimista. Há sempre em seus filmes algum alento, um fugaz momento de luz que nos faz lembrar que a vida vale a pena ser vivida. Mesmo sendo quase sempre tão dolorosa.

Para os que já o conhecem bem, ou para os que querem se iniciar a obra do mestre. Segue os que são, para mim, seus filmes mais belos, que de alguma forma muito me emocionam a cada revisão.
Todos disponíveis em DVD:

O Sétimo Selo (1956)

Morangos Silvestres (1957)

Gritos e Sussurros (1972)

Sonata de Outono (1978)

Saraband (2003)

24 de jul. de 2007

Saneamento Básico – O Filme

Vale a pena não desprezar o novo filme de Jorge Furtado. Ele é muito mais interessante e inteligente do que parece.

Por mais despretensiosa que possa parecer essa comédia, há nas entrelinhas de Saneamento Básico um olho aguçado à realidade que nos cerca. Mais especificamente, temos um “comentário” genial sobre o momento atual de nosso Cinema.

Com bom humor, Saneamento Básico satiriza nossas leis de incentivo, nossos festivais, o fascínio e a incapacidade de cineastas brasileiros lidarem com efeitos especiais...

E no meio das desventuras de um grupo que tenta realizar um vídeo sobre a fossa que a comunidade carece, o diretor encena uma homenagem à própria sétima arte, na figura do personagem feito por Paulo José. Hoje lutando contra o Mal de Parkinson, o grande ator é figura já inesquecível na história do cinema brasileiro.

Furtado dá a ele um personagem–síntese das agruras e dificuldades que é fazer cinema nesse País. O final é puro Chaplin. Paulo José caminha sozinho ao longo da estrada, nos fazendo lembrar do final esperançoso de Tempos Modernos, de 1936.

Há esperança para nosso cinema tupiniquim, vale a pena lutar por ele. A imagem final nos diz tudo, sem dizer nada.

22 de jul. de 2007

Paris, Te Amo

Paris, Te amo é um caso curioso. 21 diretores consagrados realizam 18 diferentes curtas sobre a capital francesa, cada um se passando em um bairro diferente.

De Casablanca a Antes do Pôr do Sol. A cidade luz é sempre inevitavelmente associada ao amor, ou a possibilidade dele. “Sempre teremos Paris”, diz Humprey Bogart a Ingrid Bergman no final do filme de Michael Curtiz, de 1942.

A diversidade de abordagens é um dos triunfos do filme. E mesmo que nenhuma pauta específica tenha sido dada aos diretores, o tema do amor permeia quase a totalidade deles. Seja o amor entre mãe e filho, entre homem e mulher, ou sobre uma solitária apaixonada pela própria Paris.

O resultado é muito mais regular do que se poderia esperar de um projeto como esse. Alguns curtas são realmente decepcionantes, mas a qualidade da maioria faz do filme uma experiência agradável, senão encantadora.

Aos mais céticos ou frustrados com o universo amoroso: Paris, Te amo pode nos fazer voltar a crer na imprevisibilidade do romance, na paixão inusitada e, principalmente, no Amor, que não é imortal, posto que é chama, mas que é infinito enquanto dura...

14 de jul. de 2007

Mais Estranho que a Ficção

No começo do ano fiz uma viagem pela América do Sul e acabei perdendo alguns filmes que queria muito ver na tela grande. Estou tentando ir em busca do tempo perdido pelo DVD. Tenho visto muita coisa e vi nesses dias Mais estranho que a ficção.

É o que costuma acontecer. Quando gosto de um filme tento acompanhar os filmes que o diretor faz posteriormente e, quando possível, vou atrás dos filmes que ele fez no passado.

O diretor em questão é Marc Foster. Me emocionei com o seu Em busca da Terra do Nunca, com Jonny Depp . Toda aquela elegia ao poder da fantasia e do sonho refletida através do autor de Peter Pan me pareceu de grande sensibilidade.

Foster é o diretor de Mais estranho que a ficção, e confesso que esperava bem mais de seu novo filme. A idéia é até que interessante: Um funcionário da receita federal certo dia ouve uma voz feminina narrando seus atos. E descobre que, na verdade, a voz é da autora do livro em que ele é o personagem principal.


Harold Crick (Will Ferrel): Ouvindo vozes que narram seu cotidiano.
Ao saber que seu monótono cotidiano está traçado para a morte inevitável, Harold Crick (Will Ferrel) decide mudar de vida. Nada de novo no front para um filme made in Hollywood...
Os atores se esforçam, mas o filme não decola. Só li textos elogiosos ao Mais estranho... , críticas ressaltaram sua originalidade e seu humor refinado, mas falta humanidade e leveza num filme que acabou ficando muito cerebral. O comediante Will Ferrel mostra-se um ator dramático excelente, porém não há química alguma com seu par romântico.

Um exercício de metalinguagem muito mais interessante, senão brilhante, é Adaptação de Spike Jonze com roteiro de Charlie Kaufman.

9 de jul. de 2007

Ratatouille


As animações se tornaram um dos maiores catalisadores de dólares da indústria. E o diferencial da época atual com a época áurea dos desenhos Disney, é que os desenhos contemporâneos são formatados pra agradar tantos os pequenos quanto aos adultos. Hoje não há problema algum em criar tiradas e gags que só fazem rir o público mais crescido.

Não costumo ter a mínima paciência com esse tipo de filme. É doloroso pra mim ver um “desenho animado”. Muito mais no cinema. Fico me contorcendo todo com aquelas lições de moral, o didatismo, as cantorias...

Mas o novo filme idealizado pela Pixar/Disney é algo fora dos padrões. Posso não gostar de vê-los, mas vi a maioria dos desenhos lançados nesses últimos anos, principalmente os da Pixar, e arrisco dizer que Ratatouille é de longe o mais excepcional dentre todos eles.

Mais que só acompanhar as desventuras do rato que sonha ser um grande chef de cozinha, o filme possui camadas de leitura suficientes para refletir sobre vocação, arte, a vida...

Antom Ego(Peter O'Toole): Crítico se humaniza a provar uma obra-prima da gastronomia.

Já disse aqui outra vez, citando Truffaut, que a arte têm o poder de nos humanizar, e é isso que ocorre com a figura do crítico de gastronomia Antom Ego, dublado no original por Peter O'Toole.

Esse personagem é o que talvez transforme Ratatouille em algo tão inesperadamente inesquecível. Ao experimentar uma receita de um prato camponês, desenvolvido pelo rato – cozinheiro, o crítico faz uma viagem interna de volta à infância. Uma experiência que o faz rever seus valores de crítica, de sua postura diante da gastronomia e da vida!

O que ele prova naquele prato, na realidade, é uma obra de arte que o humaniza e o transcende. É lindo!

19 de jun. de 2007

Cão sem dono

O cinema do diretor Beto Brant tem mudado bastante. Outros poderiam falar que seu cinema está na verdade amadurecendo. Talvez. Mas o que importa é que os filmes do cineasta são sempre dignos de atenção. Gostando dessas mudanças de rumo em seus filmes ou não.

Cão sem dono, comparado com toda a obra do diretor, foi o filme que menos me entusiasmou. Posso admirar Cão sem Dono – dirigido em parceria com Renato Ciasca - mas não me emocionei muito com ele.

Desde O Invasor, o cineasta visivelmente está em busca de uma abordagem mais intimista para com seus personagens. Crime Delicado, seu penúltimo filme, é com certeza a obra mais radical nesse sentido. Cão sem dono segue a essa tendência do diretor em optar pelo despojamento de produção e narrativa.

Nada parece acontecer em Cão sem dono. “Parece”, pois naquela aparente falta de ação há uma forte e humana experiência de dois jovens carentes de perspectiva e felicidade.

Os namorados Ciro (Júlio Andrade) e Marcela (Tainá Müller): Falta de perspectiva

O que muito se escreveu sobre o filme é que os dois jovens amantes na tela representariam a atual imobilidade da juventude atual . Com certeza a mocidade de nossos tempos caracteriza-se pela apatia e pelo vácuo ideológico, mas acho uma generalização excessiva dizer que é isso que trata Cão sem Dono. Os diretores estão muito mais preocupados em compartilhar a experiência daqueles dois namorados dentro daquelas quatro paredes, do que qualquer reflexão geracional.

Como disse, não caí de amores pelo filme. Mas ao mesmo tempo acho importante que um filme brasileiro com uma proposta minimalista desse tipo chegue às nossas salas.

Até agora, Não por Acaso é para mim ainda o melhor filme brasileiro do ano.

12 de jun. de 2007

Não por acaso


Ainda bem que há filmes como Não por acaso. Uma obra que vem nos refugiar de constrangimentos como Inesquecível, filme em que eu ria de tão ridículo que me pareciam aquelas cenas e diálogos. É reconfortante encarar um belo filme como o de Philippe Barcinski, que estreou no último feriado.

Já vi o filme duas vezes. Realmente me emociono vendo Não por acaso. Dois personagens assemelham-se por suas obsessivas buscas por controle e previsão em seus ofícios. Ênio (Leonardo Medeiros, brilhante) é o solitário controlador de tráfego capaz de cronometrar os segundos que demora um farol para abrir. Pedro (Rodrigo Santoro), um exímio jogador de sinuca que planeja suas jogadas até a perfeição.

Mas a vida, diferente do que gostaríamos, não é perfeita, é imprevisível. E um acidente de carro catalisará mudanças em suas visões de mundo e de ser. Os dois perdem pessoas que amam, e seguir com suas vidas poderia ser insuportável se também o acaso (sempre ele) não fornecesse auxílio a esses dois homens na figura de uma filha que Ênio desconhecia, e de um novo interesse amoroso para Pedro.


Ênio (Leonardo Medeiros): Controlador de tráfego também surpreendido pelo incontrolável.
Eis um filme sobre a incapacidade (nossa) de controlarmos o que está além de nossos limites de organização ou planejamento. Porém, mesmo que nosso cotidiano seja assim tão caótico, e muitas vezes trágico, não há motivo para esquecermos da força individual que temos para gerar transformação, e nos mantermos próximos das pessoas que amamos. Ênio e Pedro decidem não perder, pela segunda vez, as pessoas que amam. Dão uma chance à emoção e à vida.

É o primeiro longa de Barcinski, e talvez por isso seja notável o frescor que o filme tem. Um filme bem pensado e original na sua abordagem e construção. Que venham outros "Não por acaso"...
O novo filme de Beto Brant, diretor de O Invasor e Ação entre Amigos, estréia em breve...