analy

24 de jul. de 2008

O Cavaleiro das Trevas (IV)

James Gordon – Em Batman Begins ele era aquele que punha a mão no fogo pelo herói. Dava-lhe sua confiança na luta contra o crime. No primeiro filme, o tenente Gordon era um idealista solitário, carente de companhia ética. Faltava-lhe uma força-tarefa contra a corrupção, que só aparece com a chegada do homem-morcego a Gotham.

Em O Cavaleiro das Trevas temos um homem mais pragmático. Calejado, talvez. Parece que Gordon tomou o mesmo banho de realidade que Harvey Dent, só que de maneira bem menos trágica. Em seu próprio departamento, Gordon sabe que nem todos os seus subalternos são pilares de moralidade, o que ameaçará a segurança de sua própria família nos momentos finais do filme. Da mesma forma que Batman, Gordon não se incomoda em usar meios pouco ortodoxos para conseguir o que quer. Como se não fosse possível lutar por justiça sem colocar as mãos na lama, ou governar sem ter que subornar parlamentares em troca de apoio.

Alfred – Foi só vendo o filme pela terceira vez que me ficou claro a importância deste coadjuvante encantador. Ele é a figura paterna, a voz da sabedoria. Um exemplo de fidelidade, cumplicidade e compaixão para com seu empregador. Junto com o personagem de Morgan Freeman, Lucius Fox, Alfred é a luz humana que impede O Cavaleiro das Trevas de ser uma obra exageradamente pessimista.

A atuação de Michael Caine é tocante, mínima, mas precisa. Ator e personagem se confundem na dignidade exigida pelo papel. Novamente como Lucius, Alfred é alguém que está acima do bem e do mal. Um mordomo que pode se dar ao luxo de omitir a verdade a Bruce Wayne, justamente pensando na felicidade dele.

Lucius Fox - Como o mordomo Alfred, o personagem de Morgan Freeman possui o mais humano de todos os dons: o senso de humor. Diante de tanta tensão e violência em O Cavaleiro das Trevas, Lucius nos aliviará com sua sagacidade e mansidão.

Ao ver o novo dispositivo criado por Batman para espionar todos os cidadãos de Gothan à 1984, Lucius diz: “É muito poder para um homem só”. No que Batman responde: “É por isso que só você pode controlá-lo”. Impossível pensar em elogio maior à nobreza deste parceiro que equilibra as decisões do protagonista. Lucius Fox é a consciência perdida naqueles que democraticamente votaram e decidiram pela explosão do barco ao lado, cheio de criminosos.

Rachel Dawes
– Como era o “leitor” em Memórias Póstumas de Brás Cubas, o único senão do filme é ninguém menos que Maggie Gyllenhaal, a atriz na pele da advogada Rachel Dawes. Canastrona de primeira grandeza, Gyllenhaal causa uma verdadeira repulsa quando aparece na tela. Nada contra a personagem em si, mas a atriz não é bonita, não tem carisma ou simpatia. Um horror! Sua maior qualidade é que lá pelas tantas ela morre junto com a personagem...

23 de jul. de 2008

O Cavaleiro das Trevas (III)


Harvey Dent/Duas Caras – Em O Médico e o Monstro, de Robert L. Stevenson, há um capítulo final com o relato do próprio Dr. Jekyll com conclusões sobre as experiências que o transformavam no inescrupuloso Mr. Hyde. Diz ele em uma parte do texto, cheio de angústia:

"A cada dia, e de ambos os lados da minha inteligência – o moral e o intelectual – eu chegava cada vez mais próximo daquela verdade cuja descoberta parcial tinha-me condenado a um terrível fim: a de que o homem não é apenas um, mas sim dois. Eu digo dois porque meu conhecimento não vai além desse ponto. (...)... e eu arrisco a suposição de que, ao final, o homem será firmemente conhecido com um mero estado multifacetado, incongruente...” (L± pág. 96.)

Dentro da subversão que faz Christopher Nolan das costumeiras adaptações dos quadrinhos para as telas, está a representação multifacetária de seus personagens. E, talvez, em Harvey Dent tenhamos o melhor exemplo dessa ambigüidade que permeia o filme. Nem preto nem branco. Em O Cavaleiro das Trevas, temos um mundo acinzentado. Sem vilões absolutos ou heróis incorruptíveis. Se antes tínhamos a destreza moral sem nuanças dos super-heróis, temos agora não somente as duas faces de uma ordem moral, mas sim, nossos muitos rostos e máscaras. Por mais que o personagem de Duas Caras possua uma iconografia uma tanto esquemática, de dois rostos, um natural e outro desfigurado.

Harvey Dent possui uma dimensão trágica. Até quase o final do filme, é o mais íntegro de todos os personagens. É o Cavaleiro Branco sem máscara que Gotham necessita, em detrimento do justiceiro mascarado. Mas é também aquele que mais perde no jogo de dados do acaso. Ele perde a mulher que ama, a causa que professa e mais que tudo, a esperança de que um comportamento ético, decente e moral pudesse ser a melhor arma de resistência contra um mundo corrupto. Suas frustrações são com a impossibilidade de se fazer justiça com as mãos limpas, da decepção diante de um Estado de Direito incompetente e consigo mesmo. Coringa o mostra, naquela grande cena entre os dois no hospital, que nosso mundo é injusto, de que nem sempre boas intenções geram o tão esperado final feliz com direito a casamento, filhos e netos...

Transformando-se de Harvey Dent para Duas Caras, o advogado paladino à Eliot Ness torna-se a maior vitória do Coringa. A prova da tese do palhaço de que basta um “empurrãozinho” para virarmos bárbaros e nossos maiores inimigos. Coringa pode ter sido preso, não ter conseguido “sucesso” em seu “experimento social” nos barcos que não se destroem, mas sua última carta na manga é a conversão do criminalista em criminoso.

Dentro de uma concepção de herói mais tradicional, ou seja, aquele que se sacrifica por outro(s), Harvey Dent é o mais próximo do heroísmo em todo filme. Seu altruísmo cheio de benevolência aparece no mínimo três vezes. Primeiramente em sua cruzada a favor de Gotham, lutando pela justiça de maneira icônica. Depois, assume ser o próprio Batman, tomando para si os pecados do justiceiro mascarado e fazendo a vontade da maioria de Gothan. E por último, e talvez o mais doloroso, há o sacrifício que se dá a favor de Rachel Dawes. Nosso caro Harvey estava disposto a dar sua vida, se isso resultasse na sobrevivência da mulher que amava. É doloroso acompanhar tamanha jornada que acaba em ceticismo e desespero.

Harvey Dent/Duas Caras é a “chave” do filme. O personagem que ilustra melhor os objetivos do Coringa. Nele está a crueza do filme, pois exemplifica o beco sem saída a que chegamos. Che Guevara disse certa vez que não se faz revolução antes dos trinta anos. Será que a passagem do tempo nos torna mais embrutecidos, desesperançados? É ingênuo tomarmos como exemplo a postura inicial de Harvey Dent, já que o destino inevitável está na desilusão e no vácuo ideológico? Acho que poucas vezes um personagem expressou tão bem o sentimento que ronda o mundo pós-queda do muro de Berlim, pós-renúncia de Fidel. Um mundo sem utopias. Em que a linha entre a corrupção e o “bom negócio” se torna cada vez mais estreita.

22 de jul. de 2008

O Cavaleiro das Trevas (II)

Coringa - Ele não quer dinheiro, ou mesmo notoriedade. Não é explicável através de uma psicologia barata e reducionista, em que traumas infantis poderiam solucionar tamanha brutalidade. Como Anton Chigurh, o matador interpretado por Javier Bardem em Onde os fracos não tem vez, o Coringa de O Cavaleiro das Trevas não possui origem ou motivações fáceis.

Ele é o agente do caos. Cuja razão de existência é desmascarar a fragilidade da “ordem”. Apontar as feridas abertas como sociedade. Esfregar em nossas faces a linha tênue que separa a normalidade da vilania, o politicamente correto das áreas mais soturnas de nós mesmos. A cena dos barcos, que ele chama de “experimento social”, é o emblema daquilo que também quis fazer Lars Von Trier em seu Dogville: Queimar as cortinas da amabilidade. Desnudar o egoísmo que tem consumido o planeta em tempos globalizados.

Coringa é o lado B do próprio Batman. A face queimada da moeda de Harvey Dent/Duas Caras. Tememos o novo Coringa porque sua retórica é precisa e assustadoramente lógica. Não quero ser mal interpretado, mas acredito que Coringa está longe da “insanidade”. Às vezes ele é são até demais, e é isso que nos amedronta ao ver o filme.

Não há um vilão convencional em O Cavaleiro das Trevas. O filme (o mundo) é bem mais complicado que isso. Coringa é um catalisador, a vanguarda que questiona os valores estabelecidos. No embate final com Batman a câmera vira de ponta cabeça, enquanto Coringa faz seu último discurso a favor da anarquia. Utilizando-se de um recurso de linguagem tão “primário”, Nolan exemplifica com perfeição quem é este homem fantasiado. Aquele que quer virar o mundo de cabeça para baixo. Virá-lo às avessas. Há algo de Antônio das Mortes, o matador de Deus e o Diabo na Terra do Sol em Coringa. Um personagem à frente (fora?) de seu tempo.
Nolan não dá respostas em seu filme, e nem precisa. Batman-O Cavaleiro das Trevas é uma grande provocação pós-moderna para aqueles que vendem a Democracia como o último estágio e possibilidade única de organização política. Disse em post anterior, quando escrevia sobre O Escafandro e a Borboleta, que o Cinema ainda engatinha, com míseros 113 anos. Pois este filme veio à tona para lembrar-nos que a Civilização também dá os seus primeiros passos, e que a Democracia é cheia de fraturas de uma estrutura óssea que pode vir abaixo com um simples “empurrãozinho” deste palhaço macabro.

21 de jul. de 2008

O Cavaleiro das Trevas (I)

A seqüência de Batman Begins é um filme que muito me angustia. Um amigo até pensou que meus suspiros no meio da sessão eram de insatisfação diante do filme. Era justamente o inverso. Batman-O Cavaleiro das Trevas é de uma complexidade e crueza que inquieta todos aqueles que refletem sobre dias tão sombrios, incertos e ambíguos como os nossos.

O brilhante filme de Christopher Nolan é uma aguda reflexão sobre o mundo pós-11 de setembro. Regido pelo medo, intolerância, pela desconfiança perante as instituições, por inimigos invisíveis e incompreensíveis. Um mundo em trevas. Nolan não fez um filme sobre um super-herói, mas sobre qual herói necessitamos, ou devemos (não) ter. É um filme para gente grande, para se ver sem pipoca.

Considerando a complexidade do filme, tentarei fazer um texto um pouco diverso dos que tenho escrito. Ao invés de uma resenha com início, meio e fim, dividirei algumas idéias primeiramente sobre os personagens do filme e depois sobre o que acredito ser seus principais temas.

Batman – No novo filme, ele não pode ser mais o herói forjado no primeiro. Ele deve se reinventar. Sua existência alterou a ordem e dimensão dos problemas de Gotham. O que era originalmente para ser uma “inspiração” de luta do bem e pela justiça foi transfigurado pelos cidadãos em um símbolo quase de revanchismo, de luta com as próprias mãos contra o crime. E, o mais importante, uma luta acima das leis do estado democrático. Batman deve agora lutar contra um estado de coisas do qual ele mesmo é responsável por sua gênese. E a figura e o resultado mais assustador dessa alteração criada pelo próprio herói é o surgimento de um criminoso sem motivações óbvias, um anarquista agente do caos chamado Coringa.

A situação de Batman, portanto, é insustentável. Ele nem inspira, muito menos representa essa sociedade em transformação. Ele é um fora-da-lei. Um milionário excêntrico debaixo de uma fantasia sofisticada. Se o primeiro filme foi sobre a gênese do herói, O Cavaleiro das Trevas é a revisão crítica de sua figura. Como seres pensantes, não podemos aceitar as condutas de Batman como se fosse ele um herói convencional e incorruptível. Em certos momentos suas atitudes podem ser tão questionáveis quanto as do Capitão Nascimento de Tropa de Elite. Os fins justificam os meios? Pergunta Christopher Nolan para nós, espectadores.

Em uma sessão de interrogatório, nosso “herói” esmurra seu depoente em busca de informações. Em outro momento, quebra as pernas do líder da máfia. No clímax do filme, utilizando um recurso tecnológico que nos remete às profecias de Orwel em 1984, Batman abusa de seus poderes subvertendo as liberdades individuais e democráticas. Ele passa a ouvir e vigiar todos os habitantes. Queremos realmente um justiceiro dessa natureza? Ainda resta alguma outra possibilidade para a justiça dentro da lei? O próprio homem-morcego possui distanciamento para enxergar sua postura como duvidosa.

Diante dessa necessidade de repensar seu papel como símbolo, Batman vai a busca de um outro herói possível, mais compatível e competente com a realidade que o cerca. Ele o encontra em Harvey Dent, paladino irrepreensível em busca da justiça.

Como muito bem disse um outro amigo meu, Batman/Bruce talvez nem seja o convencional protagonista do filme. Seu tempo em cena é quase equivalente às demais peças do tabuleiro de Cavaleiro das Trevas como Harvey Dent (a “chave” do filme, como veremos), Coringa e o comissário Gordon. Quatro personagens do filme que tentarei esmiuçar ao longo da semana. Para logo em seguida tentar expor sobre o que acho que são os temas e objetivos deste grande e provocativo filme.

Caro leitor. A ida ao cinema para conferir Cavaleiro das Trevas é quase imperativa. Para mim, a melhor adaptação (subversão?) de um HQ da história do Cinema! Vá ver. E até o próximo post.

20 de jul. de 2008

O Escafandro e a Borboleta

Toda a regra deve ter sua exceção. Pensava realmente em não escrever em julho, numa tentativa de “desburocratizar” a própria vida. Não ser “síndico de mim mesmo” como dizia Tom Jobim. Mas... nesse meio tempo vi alguns filmes que muito me emocionaram e despertaram o desejo de voltar a este espaço. O anseio por comunicação falou mais alto. Então, estamos de volta! E, por enquanto, sem novos recessos à vista...

O Cinema constantemente é lembrado como uma arte que dá vida aos sonhos, asas à imaginação, etc. Nem sempre essas denominações conferem com os filmes que vemos, principalmente no que se refere ao mundo dos sonhos, ainda tão pouco explorado no Cinema e que parece distante dos planos dos cineastas e do público. Com exceção talvez de David Lynch e seus devotos. Porém filmes como O Escafandro e a Borboleta faz-nos lembrar do grande potencial para representação de nossas fantasias que possui essa arte que ainda engatinha, com míseros 113 anos.

O filme do cineasta, e também pintor, Julian Schnabel conta a fascinante história de Jean-Dominique Bauby. Editor da revista "Elle" francesa que sofreu um derrame deixando todo o seu corpo paralisado. Exceto seu olho esquerdo. Em existência tão enclausurada, que sentido de vida pode alentar tamanha angústia? Jean-Do, como é chamado, se refugiará fundamentalmente em duas ferramentas: A memória e a imaginação. Além disso, se predispõe a escrever um livro sobre sua nova experiência de trancafiado em si mesmo, somente com o piscar de seu olho remanescente.

Os momentos em que embarcamos na imaginação e memória do protagonista são os melhores do filme. São nessas cenas, que nos fazem literalmente “entrar” em Jean-Do, que Schnabel explora com maestria essa certa vocação do Cinema para adentrar na subjetividade e fantasias de seus personagens. Como disse o crítico Daniel Piza, e eu concordo, o filme vai além e é melhor que o próprio livro que deu base ao filme.

A criatividade, a plasticidade das imagens. Tudo coopera para uma experiência de Cinema e de vida de grande intensidade. O Escafandro e a Borboleta nos reconcilia com a grande arte, lembrando a cada plano as imensas possibilidades da linguagem cinematográfica. Tema e forma numa relação simbiôntica e sofisticada, mas nem por isso distante do espectador, pelo contrário.

Lendo a resenha do filme, simplesmente, pode-se ter a errônea impressão de uma obra, digamos, “depressiva”. Um novo Menina de Ouro, por assim dizer. Mas não se engane. O Escafandro e a Borboleta é um recado para a reconstrução e celebração da família, dos amigos, do amor. Das borboletas da vida. Um filmaço. Junto com I´m not there, um dos melhores do ano.

11 de jul. de 2008

Recesso


Meus caros amigos,

Julho será um mês de sol, praia e ócio produtivo.

Voltamos em Agosto.

grande abraço.

Josafá

Ps: Só não deixem de ver "O Escafandro e a Borboleta". É maravilhoso!