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31 de out. de 2007

Renaissance

Em tempos de Mostra de Cinema, filmes que entram em cartaz costumam ser um pouco ignorados pelos jornais. É o caso de Renaissance, que estreou no Espaço Unibanco na última sexta. Um filme realmente fascinante. Uma primorosa animação francesa que mereceria mais atenção do que lhe foi dada.

O ano é 2054, e essa ficção científica ambientada numa Paris futurista nos remete ao cinema noir: A imagem em preto e branco, o policial investigador, uma trama cheia de reviravoltas. Fiquei muito impressionado com o filme. Trata de questões como os limites éticos da eugenia, a busca pela imortalidade. Dá para ver que não é pouca coisa, não.

De alguma forma, o filme reinventa o alerta de Mary Shelly em seu Frankenstein: Cabe ao Homem reconhecer seus limites quanto à manipulação da vida e da morte. Diz o doutor Victor Frankenstein, no início de seu relato:

“... como é perigoso adquirir saber, e quão mais feliz é o homem que acredita ser a sua cidade natal o mundo, do que aquele que aspira a tornar-se maior do que a sua natureza permite”.

A frase acima poderia servir de prefácio para Renaissance. Difícil falar do filme sem entregar sua trama tão bem construída. Prefiro, ao invés de esmiúça-lo mais, estender o convite para que não o percam de forma alguma. Um filmaço ainda para ser descoberto!

21 de out. de 2007

Piaf - Um Hino ao Amor

Piaf, antes de tudo, é o ingresso para uma forte experiência emocional. Beira o dilacerante acompanhar uma vida que tanto oscilou entre a euforia e a depressão.

Mas, um pouco diferente do que tanto se escreveu sobre o filme. Não acho que só Marion Cotillard, atriz que encarna o papel de maneira sublime, deva levar o crédito para o sucesso do filme.

Piaf, tem uma direção muito menos convencional do que parece. Olivier Dahan usa diversos planos – seqüência de maneira extraordinária. É um filme muito bem pensado e construído.

A cena em que Edith acompanha a luta de boxe de seu amado, o lutador Marcel, é um primor na utilização da música e da montagem. Utilizando recursos cinematográficos, que vão além da performance da atriz, o público pode compartilhar a enorme paixão de Edith. Paixão levada de maneira visceral à suas canções. Um belo filme.

16 de out. de 2007

Tropa de Elite (3)

Continuando...

Como disse no texto abaixo, é Matias, e não o capitão Nascimento, o personagem principal de Tropa de Elite. É talvez nele que deveríamos nos identificar e buscar algum direcionamento para que caminho tomar mediante à questões tão sérias.

Mas Matias não poderá exercer esse papel porque, ao longo do filme, ele perderá seus ideais e objetivos originais. Olhemos com atenção. Primeiramente André Matias é frustrado com a corrupção policial, em seguida, vive a impossibilidade de conviver com os estudantes de sua faculdade, usuários e financiadores do tráfico.

E por último, é manipulado por Nascimento para se tornar um assassino frio e brutal como o personagem interpretado por Wagner Moura. O BOPE, juntamente com as demais partes da sociedade, não dá alternativa a Matias a não ser lutar contra a violência com mais violência. Isso é trágico e nos desconcerta.

A execução final, o tiro que mata o traficante Baiano é na verdade um tiro em nós, espectadores. Cabe à sociedade, e não ao filme Tropa de Elite, encarar de frente nossa situação de barbárie. O que o filme nos dá é um beco sem saída, a tela escura e a frustração.

José Padilha quis com seu filme gerar debate, reflexão. Não nos dar alguma esperança ou um “bom programa” para o fim de semana...

Tropa de Elite (2)

Sempre que nos debruçamos sobre um filme, é imprescindível lembrar que o cinema é uma simplificação da realidade. Quem lembrou disso foi o próprio José Padilha, diretor de Tropa de Elite, em entrevista ao Roda Vida na semana passada.

Pois bem, feita a devida ressalva. Gostaria de retomar o pensamento sobre o filme. Uma obra que ainda pedirá muitas linhas de reflexão, tanto aqui como em toda sociedade brasileira.

Vi o filme já três vezes, e creio que um dos motivos do choque que ele provoca é que não há em Tropa de Elite personagem ou grupo social que seja “poupado”. Explico: Após duas horas de projeção, o sentimento é de perplexidade e impotência. Na mão de quem seguraremos em busca de alento ou refúgio para encontrar respostas para a guerra civil não declarada em que vivemos?

Não podemos apelar para a Policia convencional que, principalmente na primeira parte do filme, é retratada como corrupta até as entranhas. Tampouco a classe média (ou elite?) é mostrada como valorosa ou consciente da magnitude do problema que enfrentamos em relação à violência urbana.

A ONG gerida por estudantes, mostrada no filme, é emblemática nesse ponto. Seus membros são insensíveis para desvendar o real problema de um menino da favela com problemas na escola.

A metáfora é clara. O garoto possui problemas de visão, mas é somente Matias (André Ramiro), o personagem mais lúcido de todo o filme, que é capaz de “enxergar” o que se passa.

Continua...

14 de out. de 2007

Tropa de Elite

Bem, como muitos notaram, tive alguns problemas técnicos nesses últimos dias e fiquei impossibilitado de postar no blog. Não sei o que era, simplesmente não conseguia conectar à rede (minha Internet é discada).

E, após esse pequeno recesso, nenhum outro filme poderia ser a pauta deste espaço a não ser o filme que já não é um simplesmente um filme, mas sim, um fenômeno, um filme-evento. De acordo com pesquisa publicada pela Folha de São Paulo, estima-se que aproximadamente 11.5 milhões (!) de pessoas viram ao filme antes mesmo de sua estréia. Nem José Padilha, o diretor do filme, sabe explicar o porquê de tanta procura.

Após sua exibição no festival do Rio, um forte debate sobre Tropa de Elite tomou conta dos veículos de comunicação. O que só prova a força do Cinema como instrumento para debate e reflexão. Uma arte com um potencial impressionante, capaz de pensar nosso tempo.

É no personagem de Matias (André Ramiro), que se deve ter mais atenção.

Capitão Nascimento não é herói, e está longe de sê-lo. Aqueles que se entusiasmam perante o personagem de Wagner Moura não foram capazes de perceber que Nascimento é um homem em crise. Uma crise que nem mesmo ele, o personagem, é capaz de verbalizar com lucidez. É no não-dito e na linguagem corporal do Capitão que suas contradições se revelam.

Cabe ao público, e só a ele, identificar as contradições do discurso do capitão. Um discurso que pode parecer esclarecedor, mas é limitado. Nascimento é resultado de um sistema brutal e em convulsão. Incapaz de ver a situação em que se encontra na perspectiva adequada.

Para uma melhor compreensão de Tropa de Elite, é recomendável reter mais atenção na figura do personagem Matias. É ele o personagem principal do filme, mesmo que não seja o narrador. Com os olhos mais atentos a ele se pode chegar mais perto das reais intenções de Padilha ao realizar o filme.