A história é tênue. Sem motivo, repentinamente, o mundo está cego. Apenas a personagem de Julianne Moore mantém sua visão. Ela não possui nome ou passado, como todas as demais figuras principais. Um casal, um senhor negro, uma criança...
Meirelles realizou não só um recontar do enredo, mas buscou nas especificidades do cinema realizar uma obra de força em si. Som, música, edição. Artifícios de linguagem que o diretor domina como poucos. A fotografia de César Charlone, que desconstrói a imagem para melhor captar a impressão de perda da visão e a cegueira branca, é corajosa e de personalidade.
Há, sim, problemas de roteiro. Ensaio... é um tanto desequilibrado, principalmente na primeira meia hora de projeção. Nesse início, falta aos personagens despertar a empatia indispensável para nos envolvermos com o que se passa. Mas logo o envolvimento ocorre, junto com a força que o filme possui.
Quase no final do filme, há uma cena emblemática: na cidade já imunda e decadente, a chuva cai. Homens e mulheres se deixam encharcar em busca não só de limpeza, mas de redenção. Em tempos de brutalidade latente, a civilização clama por purificação.
Como no livro de Saramago, deve-se perder a visão para voltar a enxergar. Diz a mulher do médico (persongem de Julianne) para seu esposo, no final do livro: “Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, Cegos que vem, Cegos que, vendo não vêem”.