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23 de jul. de 2008

O Cavaleiro das Trevas (III)


Harvey Dent/Duas Caras – Em O Médico e o Monstro, de Robert L. Stevenson, há um capítulo final com o relato do próprio Dr. Jekyll com conclusões sobre as experiências que o transformavam no inescrupuloso Mr. Hyde. Diz ele em uma parte do texto, cheio de angústia:

"A cada dia, e de ambos os lados da minha inteligência – o moral e o intelectual – eu chegava cada vez mais próximo daquela verdade cuja descoberta parcial tinha-me condenado a um terrível fim: a de que o homem não é apenas um, mas sim dois. Eu digo dois porque meu conhecimento não vai além desse ponto. (...)... e eu arrisco a suposição de que, ao final, o homem será firmemente conhecido com um mero estado multifacetado, incongruente...” (L± pág. 96.)

Dentro da subversão que faz Christopher Nolan das costumeiras adaptações dos quadrinhos para as telas, está a representação multifacetária de seus personagens. E, talvez, em Harvey Dent tenhamos o melhor exemplo dessa ambigüidade que permeia o filme. Nem preto nem branco. Em O Cavaleiro das Trevas, temos um mundo acinzentado. Sem vilões absolutos ou heróis incorruptíveis. Se antes tínhamos a destreza moral sem nuanças dos super-heróis, temos agora não somente as duas faces de uma ordem moral, mas sim, nossos muitos rostos e máscaras. Por mais que o personagem de Duas Caras possua uma iconografia uma tanto esquemática, de dois rostos, um natural e outro desfigurado.

Harvey Dent possui uma dimensão trágica. Até quase o final do filme, é o mais íntegro de todos os personagens. É o Cavaleiro Branco sem máscara que Gotham necessita, em detrimento do justiceiro mascarado. Mas é também aquele que mais perde no jogo de dados do acaso. Ele perde a mulher que ama, a causa que professa e mais que tudo, a esperança de que um comportamento ético, decente e moral pudesse ser a melhor arma de resistência contra um mundo corrupto. Suas frustrações são com a impossibilidade de se fazer justiça com as mãos limpas, da decepção diante de um Estado de Direito incompetente e consigo mesmo. Coringa o mostra, naquela grande cena entre os dois no hospital, que nosso mundo é injusto, de que nem sempre boas intenções geram o tão esperado final feliz com direito a casamento, filhos e netos...

Transformando-se de Harvey Dent para Duas Caras, o advogado paladino à Eliot Ness torna-se a maior vitória do Coringa. A prova da tese do palhaço de que basta um “empurrãozinho” para virarmos bárbaros e nossos maiores inimigos. Coringa pode ter sido preso, não ter conseguido “sucesso” em seu “experimento social” nos barcos que não se destroem, mas sua última carta na manga é a conversão do criminalista em criminoso.

Dentro de uma concepção de herói mais tradicional, ou seja, aquele que se sacrifica por outro(s), Harvey Dent é o mais próximo do heroísmo em todo filme. Seu altruísmo cheio de benevolência aparece no mínimo três vezes. Primeiramente em sua cruzada a favor de Gotham, lutando pela justiça de maneira icônica. Depois, assume ser o próprio Batman, tomando para si os pecados do justiceiro mascarado e fazendo a vontade da maioria de Gothan. E por último, e talvez o mais doloroso, há o sacrifício que se dá a favor de Rachel Dawes. Nosso caro Harvey estava disposto a dar sua vida, se isso resultasse na sobrevivência da mulher que amava. É doloroso acompanhar tamanha jornada que acaba em ceticismo e desespero.

Harvey Dent/Duas Caras é a “chave” do filme. O personagem que ilustra melhor os objetivos do Coringa. Nele está a crueza do filme, pois exemplifica o beco sem saída a que chegamos. Che Guevara disse certa vez que não se faz revolução antes dos trinta anos. Será que a passagem do tempo nos torna mais embrutecidos, desesperançados? É ingênuo tomarmos como exemplo a postura inicial de Harvey Dent, já que o destino inevitável está na desilusão e no vácuo ideológico? Acho que poucas vezes um personagem expressou tão bem o sentimento que ronda o mundo pós-queda do muro de Berlim, pós-renúncia de Fidel. Um mundo sem utopias. Em que a linha entre a corrupção e o “bom negócio” se torna cada vez mais estreita.

2 comentários:

Anônimo disse...

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Anônimo disse...

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