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16 de ago. de 2009

Se nada mais der certo



O filme brasileiro do ano. “Se nada mais der certo” estréia nos cinemas nesta sexta-feira, depois de enfileirar na estante diversos prêmios no Brasil e no exterior. E não é para menos. O grande vencedor do Festival do Rio 2008 – melhor filme, roteiro e atriz – expressa cruamente as atuais mazelas sociais e políticas do país. Uma forte experiência cinematográfica sobre uma juventude sem perspectivas, que enfrenta como pode as dificuldades da grande metrópole. Uma história de amizade, dor, e luta por liberdade.

Dirigido pelo brasiliense José Eduardo Belmonte, “Se nada mais der certo” encontra poesia no submundo da criminalidade paulistana. Personagens solitários e à deriva guiam nosso mergulho nesse universo sórdido: Léo (o galã Cauã Reymond) é um jornalista que vive de bicos mal pagos. Marcin (Caroline Abras, excepcional) é a traficante de fisionomia andrógena que sofre as agruras da madrugada, entre travestis e casas noturnas. Unidos ao taxista Wilson (João Miguel, de “Estômago”), formarão um trio cúmplice de golpes cada vez mais audaciosos. E ao longo do filme, um forte, e às vezes ambíguo, laço de solidariedade unirá as vidas desses três “marginais”.

O roteiro criado pelo próprio Belmonte surpreende. Escrito em parceria com Breno Alex e Luis Carlo Pacca, sua construção evita convenções do “filme de assalto” americano, e administra tempo tanto para a ação frenética como para o drama mais intimista. Diálogos comoventes também podem permanecer na mente do espectador após o término desse filme orquestrado pelo mesmo diretor de “A Concepção” (2005).

Num certo momento, aparece um letreiro que diz, “O estar preparado é tudo.” Uma citação de Shakespeare que transcreve o estado emocional em que se encontram Léo, Marcin e Wilson. Não há mais ninguém para pedir ajuda. Você mesmo é seu melhor e único amigo. As últimas economias já foram gastas, aquele cd pirata que você comprou não funcionou, aquele fim de semana choveu... Não há mais poço para afundar. Se nada mais der certo, o quê resta, a não ser “estar preparado”? Mas preparado para quê?

Não espere do filme uma resposta direta, mas algumas pistas. “Se nada mais der certo” confia na cumplicidade com quem o vê, e talvez somente cada espectador, depois do fim da sessão, consiga compreender mais claramente as cartas que o filme põe na mesa.


Depois que as luzes se ascendem e iniciam os créditos, Renato Teixeira e sua viola caipira nos brindam com uma canção que funciona como uma espécie de epílogo para a história que acaba de terminar. Teixeira canta “Tocando em frente”, parceria com Almir Sater que fecha as duas horas de projeção, e elucida um pouco nossas idéias sobre o que vimos. A canção diz, “Cada um de nós compõe a sua própria história, cada ser em si carrega o dom de ser capaz. De ser feliz”. Um dos itens publicitários do filme, sugere também essa interpretação, “na verdade, este é um filme sobre pessoas buscando a felicidade”.

Em outra cena, Marcin diz a Léo algo como “não vivemos o presente. estamos viciados no depois”. Em tempos de crise econômica, gripe suína e um senado (mais uma vez) em crise, parece não haver ansiedade que se possa aquietar. O ritmo que impulsiona a montagem do filme é um ritmo ditado por essa ansiedade, pressa e desconforto tão atuais. Angústia por uma felicidade que parece nunca chegar, que permanece só na idéia, só num futuro inatingível.

“Se nada mais der certo” fala de um Brasil do presente. É uma obra urgente e necessária. José Eduardo Belmonte realizou um trabalho com personalidade, autoria. Com uma fotografia corajosa, e uma bem vinda inventividade na trilha sonora, que vai do rock suave até canções do espetáculo infantil “Os Saltimbancos”. O diretor comprova um estilo que se apurou ao longo de uma carreira que envolve premiados curtas metragens nos anos 90 e outros três longas.

Duas sequencias na praia resumem a sensibilidade de Belmonte. Nos dois momentos, o mar aparece como espaço de comunhão e afeto. De sonho e libertação. Pela plasticidade e intensidade dramática, são aqueles momentos que fazem valer a ida ao cinema. Filmaço.

Entrevista com o diretor,



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