Imagine se o documentário brasileiro “Edifício Master” fosse transformado em ficção. Personagens anônimos, solitários, dentro de um conjugado de apartamentos minúsculos, onde a diversidade humana é assombrosa. “Bloco dos Desesperados”, do diretor Tomasz Rudzik, pode ser resumido nessa comparação. Só que ao invés de um edifício em Copacabana a dois quarteirões da praia, como era o caso no filme de Eduardo Coutinho, o prédio em questão neste singelo filme alemão localiza-se em Munique.
O espectador acompanha a vida de três moradores. Um desses moradores é Montek (Andreas Heindel), um jovem surdo e mudo apaixonado pela “garota da biblioteca”. Você já deve ter visto história parecida em alguma sessão da tarde, mas não com a peculiaridade de o protagonista do romance ser um deficiente auditivo. E é realmente inusitado e encantador os passos que esse jovem empreenderá para conquistar sua paixão.
Talvez por medo de comunicar sua condição especial logo de cara, o rapaz entrega um bilhete à moça convidando-a para passar um dia inteiro com ele, só que com uma condição: a de não pronunciar uma só palavra durante todo o dia (!). Ela topa. E depois disso vale a pena nem contar mais para não tirar a surpresa dessa história de amor.
Outro morador desse condomínio é Clara (Patricia Moga), uma católica fervorosa. Fervorosa até demais, que está numa fase de imensa angústia diante do silêncio de Deus. Como que saída de um filme do diretor sueco Ingmar Bergman, Clara decide corromper os mandamentos bíblicos só para ver se Deus continuará em seu anonimato costumeiro. A cada novo mandamento quebrado, um diferente morador do prédio é escolhido para auxiliá-la em sua via-crúcis. Mas isso sem o consentimento de ninguém. O que implica, lá pelas tantas, no quase rompimento traumático de um casal vizinho, já que Clara “precisava” de um homem que a ajudasse a contradizer o mandamento de “não adulterarás”...
O terceiro e último personagem dessas histórias que vão se entrelaçando, num bom ritmo de montagem, é Sin (Qi-Min Fei), um adolescente chinês que acaba de chegar a Berlim. Sem dinheiro, precisa dar aulas de matemática para ajudar no orçamento do mês. Uma adolescente com os hormônios à flor da pele é sua primeira aluna. Esperta e provocante, a repetente em exatas acaba brincando com os sentimentos do seu sincero, mas ingênuo, professor de matemática chinês.
Como é comum nos filmes que se estruturam com várias histórias paralelas, alguns núcleos são melhores que outros. O que provoca certa irregularidade e às vezes um excesso de simplificação na resolução das tramas. No caso de “Bloco dos Desesperados”, a história do estudante surdo e mudo é a melhor, aquela em que o público mais se identifica e torce pelo sucesso do casal. Mas o que não significa que as outras duas tramas sejam dignas de desprezo. Longe disso. Mesmo que menos envolventes, são também interessantes, com boas sacadas e ironias.
O clima leve e o tom suave predominam neste que é o quarto longa metragem de Tomasz Rudzik, mesmo quando o filme toca em assuntos mais densos como a crise de fé, a solidão e a frieza que esse tipo de condomínio costuma afligir em seus moradores. “Bloco dos Desesperados” é um filme cheio de qualidades.
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