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2 de out. de 2009

Mostra SP: Singularidades de uma Rapariga Loura


A ironia fina do mestre português Manuel de Oliveira continua cativante, como prova seu último trabalho: “Singularidades de uma Rapariga Loura”. Um pequeno conto moral sobre os perigos do voyeurismo e do amor platônico. Em pouco mais de 1 hora de projeção o cineasta centenário comprova sua vitalidade criativa, e ainda acha tempo para alfinetar o materialismo do mundo contemporâneo.

A premissa da história é simples: Macário (Ricardo Trêpa) está aflito. Inquieto e ansioso dentro de um vagão de trem viajando por Portugal. Ao seu lado, uma senhora lhe aparece confiável para ouvir seu desabafo sobre sua mais recente experiência amorosa. Em flashbacks, Macário vai contando para a personagem de Leonor Silveira como desenvolveu uma verdadeira obsessão por sua vizinha de janela Luísa Vilaça (Catarina Wallenstein), a tal rapariga do título – “garota” em português de Portugal.

Adaptado de um conto homônimo de Eça de Queiroz, “Singularidades...” brinca vários momentos de misturar temporalidades. O enredo original do escritor português passa-se no final do século XIX, mas o diretor transporta a ação para os dias atuais mantendo certas convenções sociais e diálogos típicos da época em que o conto foi escrito. Uma opção que pode parecer confusa em algumas sequências, mas que dão uma graça especial ao filme.

Por exemplo, Macário trabalha como contador no armazém de seu tio Francisco (Diogo Dória), e não pode sair de casa para casar-se com Luísa sem pedir a autorização e a bênção do tio patrão (!). Em outro momento, aristocratas pedantes e ridículos, personagens frequentes na literatura de Eça, dão suas caras no filme como se recém saídos das páginas do conto original. Falando de maneira empostada e pouco natural.

Manuel de Oliveira é um artista eurocêntrico, culto e de convicções fortes. E seus filmes transparecem isso com clareza, o que às vezes pode soar como uma postura arrogante e vaidosa. Mas como o homem, junto do Oscar Niemeyer, chegou à casa dos 100 anos, já conquistou para si o direito a certos “excessos”.

Dentro do enredo de seu último filme, o diretor “inventa” um momento para homenagear o próprio Eça de Queiroz, quando Macário visita “por acaso” um memorial do autor. Em outra cena, o espectador pode ouvir por inteiro um poema de Alberto Caieiro, um dos heterônimos de Fernando Pessoa. São momentos de respiro da trama, mas que não estão lá por acaso e o espectador mais atento pode buscar outras significações para essas sequencias. À primeira vista sem propósito, mas que enriquecem o resultado final.

Não é filme para todos os gostos. Sua narrativa lenta e os enquadramentos rigorosos podem enfadar o espectador mais ansioso. Para aqueles mais dispostos a uma atípica experiência cinematográfica é um prato cheio. Um filme sutil e brincalhão, que revela a “singularidade” da fogosa rapariga na última cena do filme. Por trás de uma boca carnuda e um corpo exuberante, pode haver uma mulher traiçoeira quando o assunto é descolar um dinheirinho extra para seu conforto pessoal.

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