Numa das entrevistas que Selton Melo deu para a divulgação de O Cheiro do Ralo, o ator comentou que adorava ver e rever o filme porque notava que era impossível ficar ileso ao personagem de Lourenço, que ele interpreta. “A arte deve provocar”, disse ele nos finalmentes da entrevista. Realmente. A arte tem que fazer-nos pensar. Pode-se até detestar O Cheiro do Ralo, achá-lo grosseiro e muitas vezes de mau gosto. Mas é impossível ficar indiferente a ele.
Depois da primeira vez que vi o filme fiquei até com um certo temor de alguém me perguntar se eu havia visto o filme. Pior ainda se a pessoa perguntasse se eu havia gostado ou não. Não saberia o que responder. Às vezes acontece, demora para se criar uma opinião sobre um filme.
Acabo de rever as aventuras do desprezível Lourenço. E estou agora mais seguro de minhas impressões. O Cheiro do Ralo é a crônica de um solitário. Um homem tão insensível com o seu próximo que é incapaz de qualquer compaixão.
Lourenço (Selton Melo) trabalha comprando e vendendo objetos dos mais diversos. É a única relação que consegue estabelecer com o mundo em que vive. Como disse Marx em seu Manifesto de 1848, no qual critica o ideal Capitalista, Lourenço “transforma as relações interpessoais em relações monetárias”.
Pode parecer um paralelo meio descabido. Mas nas duas vezes em que vi o filme, olhando para aquele incansável acumulador de “coisas”, mas não de pessoas, lembrei-me de Cidadão Kane, de Orson Welles. Kane, no filme de 1941, quando jovem é um idealista liberal, mas com o tempo transforma-se num manipulador de massas e amigos. No final de sua vida, nada lhe resta a não ser estátuas, mansões e propriedades. Acumulação de bens num propósito de preencher seu vazio existencial.
Pode parecer um paralelo meio descabido. Mas nas duas vezes em que vi o filme, olhando para aquele incansável acumulador de “coisas”, mas não de pessoas, lembrei-me de Cidadão Kane, de Orson Welles. Kane, no filme de 1941, quando jovem é um idealista liberal, mas com o tempo transforma-se num manipulador de massas e amigos. No final de sua vida, nada lhe resta a não ser estátuas, mansões e propriedades. Acumulação de bens num propósito de preencher seu vazio existencial.
Num certo momento de O Cheiro do Ralo, Lourenço diz quase chorando que a maioria das coisas que ele sente mais saudade na vida são coisas imateriais. Lourenço quer voltar a ser mais humano, mas não consegue e nem sabe como. Ele busca redenção para o homem que ele se tornou: Um explorador execrável de pessoas no limite da humilhação. Nem em relação ao seu maior objeto de desejo (vejam o filme) consegue ele estabelecer uma relação afetiva. Tudo vira um objeto que o dinheiro pode possuir.
Como em Kane, temos aqui a jornada infeliz de um capitalista. Que seria inteiramente repulsivo se não fosse a interpretação de um Selton Melo inspirado, e merecedor dos prêmios que tem acumulado pelo filme. Nos divertimos com Lourenço, mas também sentimos por ele. O Cheiro do Ralo sabe fazer rir, e acima de tudo, provocar.
3 comentários:
De fato, o filme mostra a jornada de um solitário, que transforma pessoas em objetos e carece de humanidade. Mas o cinema está cheio de histórias assim, o Cheiro vai além...
Ontem passando ao lado do Rio Tietê e ouvindo o taxista comentar que o cheiro do rio estava horrível, foi inevitável não pensar: não é o cheiro do rio é o nosso cheiro.
Cara Kelly!
O Cheiro do Ralo pode ir "além" em muitos aspectos. Apenas frisei "alguns" dos pontos que gostaria compartilhar no BLOG.
A histórias no cinema se repetem aos montes, sim. Concordo, mas cada filme tem sua especificidade.
Muita coisa pode fazer a diferênça em histórias aparentemente parecidas.
Quer história mais batida do que a de Pequena Miss Sunshine?
abraços,
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